Nascidos nos anos 90 numa Inglaterra na efervescência da britpop, os Tindersticks sempre foram uma banda à parte. O seu som, elegante, contemplativo, às vezes nervoso (lição aprendida e aplicada anos mais tarde pelos The National), transportam qualquer um dos seus discos para uma época que poderia ser qualquer uma, independentemente da sua real data de edição. Esta fusão entre música pop (à falta de melhor termo) com composições de música de câmara marcou os tempos durante sobretudo os três primeiros discos, até ao seminal Curtains, de 1997. Depois disso, o mundo deixou de prestar atenção, o que não impediu os verdadeiros fãs de os continuarem a acompanhar e a banda de continuar a fazer belíssimos discos.
O novíssimo The Waiting Room é o primeiro álbum de originais dos Tindersticks desde 2013. Nunca estiveram parados, com o fleumático vocalista Stuart Staples a investir em música a solo e a banda empenhada em várias bandas-sonoras de filmes europeus, algo que a sua sonoridade sempre havia intuído.
A grande diferença à partida para este disco, explica Staples, foi o quase completo abandono da guitarra como base para as composições. O vocalista e guitarrista ilustra que, quando compõe à guitarra, tende a ser mais rígido e mais esquemático em termos de ritmo e nas vocalizações. Esta mudança de paradigma levou a um disco mais livre em termos de forma, com vários temas menos estruturados e mais exploratórios. O que se perde, aqui e ali, em termos de quantidade de músicas “bonitinhas”, ganha-se em variedade e em imprevisibilidade, de saudar numa banda já com muitos anos em cima.
Por outro lado, de destacar também as orquestrações e os arranjos de cordas, a cargo de Julian Siegel, um dos mais reputados músicos britânicos de jazz da nova geração. É claro que maior liberdade estrutural e uma cultura de jazz (ainda que este não seja, de todo, um disco com o jazz à frente das operações) iria funcionar.
Entre os 11 temas do disco, há vários a destacar. O arranque é com “Follow Me”, puramente instrumental, que pega numa linha melódica da banda sonora da Revolta na Bounty e serve como uma serena e bonita introdução ao álbum.
“Second Chance Man” dá-nos, logo no primeiro compasso, a voz de Staples, remetendo-nos imediatamente para os Tindersticks que já conhecemos. Repetidas audições permitem-nos perceber todos os truques escondidos na máquina (a bateria jazz, as cordas), dando-nos camadas de pormenores.
De seguida a primeira surpresa do disco. “Were We Once Lovers?” aposta num domado ritmo krautrock, movido por um baixo nervoso e desavergonhado. O primeiro sinal, ainda, de alguma capacidade exploratória da banda neste momento. Não há refrão, não há aparentemente desenvolvimento da estrutura da música, apenas caminho, caminho, caminho.
“Help Yourself” volta a trocar-nos as voltas. Temos, nada mais nada menos, do que os Tindersticks a brincar ao afrobeat. Bateria, instrumentos de sopro, baixo, num tema que estranhamente é muito menos rápido do que se poderia pensar, levando-nos por vezes a pensar no registo mais narrativo e mais estendido revelado por Nick Cave no seu último Push the Sky Away.
De seguida, um ponto altíssimo do disco. “Hey Lucinda“, um dueto à moda antiga entre Stuart Staples e a malograda Lhasa de Sela (que faleceu no primeiro dia de 2010), cuja base foi gravada há muito e que só agora o vocalista teve coragem de revisitar e acabar. Mais do que uma canção de amor, é uma canção de separação, de descontentamento acumulado, de cumplicidade que se perdeu. Uma pérola, e uma lembrança de Lhasa, que nos deixa muito, muito gratos.
“This Fear of Emptiness”, instrumental, remete-nos por sua vez para o universo indie relaxado dos Yo la Tengo.
“How We Entered” traz-nos um registo ‘spoken-word’ por cima de uma calma e lindíssima cama sonora, algo não inédito na carreira dos Tindersticks e que nos traz à memória o tom de Jarvis Cocker em “Duckdiving”, um lado B dos Pulp de há uns anos atrás.
“Planting Holes” é uma pausa contemplativa, um instrumental simples que começa com o som de chuva caindo gentilmente, e um piano eléctrico de extraordinário bom gosto. É em momentos como este em que conseguimos realmente apreciar a maturidade de uma banda, que consegue fazer coisas simples e bonitas sem cair no óbvio.
A esta segue-se “We Are Dreamers!“, com a participação de Jehnny Beth, das Savages. A escolha é certeira, até porque este é um dos temas que mais lembram os Tindersticks de outros tempos, a tensão nervosa, o desconforto, o incómodo, aquilo que nos está a morder sem que saibamos bem o quê, como se nos sentíssemos permanentemente observados sem sabermos por quem.
The Waiting Room termina com a lenta e cansada “Like Only Lovers Can”. Mais um tema muito, muito bonito, que nos despede de um disco que é também assim.
É um álbum lento, que se desdobra e se desenrola à nossa frente, revelando lentamente os seus segredos. Um disco mais variado do que a banda nos habituou, feito de uma simplicidade aparente que esconde uma complexidade na composição, nos arranjos e nas soluções que os Tindersticks foram encontrando para nos surpreender sem nos alienar. Um trabalho maduro, extremamente bem feito, de uma banda que já não tem nada a provar. The Waiting Room, que vem acompanhado de uma curta-metragem dedicada a cada um dos temas (que pode ver na íntegra mais abaixo), pode revelar-se uma ferramenta essencial para nos ajudar a lidar com estes dias de chuva.