Depois de vários discos de sucesso, tanto crítico como de vendas, os The Stranglers decidiram mudar o rumo do seu percurso, e gravaram um álbum que deixou toda a gente bastante perplexa. Quiseram inovar, e fizeram-no radicalmente, ao ponto de quase não haver guitarras em qualquer uma das 10 faixas do álbum. Para quem conhecia a banda, e sobretudo para quem ouviu até à exaustão os discos que precederam The Gospel According To The Meninblack, tirar as guitarras do som do grupo foi um choque de dimensões gigantescas. Em vez de guitarras, sintetizadores e mais sintetizadores! Vivia-se o ano de 1981 e o mundo não parecia estar preparado para esse twist tão inesperado na carreira da banda de Hugh Cornwell e Jean-Jacques Burnel. Muito menos estava a crítica e os fãs. Como resultado final, as vendas não foram interessantes, a crítica respondeu mostrando embaraço e até alguma indignação, alguns dos mais acérrimos seguidores dos The Stranglers deitaram as mãos à cabeça e afastaram-se do grupo. Depois de um ano de trabalho nos mais famosos e dispendiosos estúdios de gravação, o disco não vingou. Os The Stranglers tiveram de saber viver com essa verdade e seguir em frente. No meu caso pessoal, que adoro a banda desde muito jovem, tenho por The Gospel According To The Meninblack a mais profunda estima. Mais do que isso, até. É o meu disco preferido de toda a extensa discografia do grupo, e portanto, como se poderá facilmente perceber, terei sido dos poucos (passe o exagero) a ficar em perfeito êxtase quando o disco veio ao mundo. A estranheza dos ambientes sonoros, dos sintetizadores no lugar das guitarras, das vozes e dos sons sinistros que vão surgindo à medida que o disco avança, tudo isso me deixou fascinado. Já lá vão mais de 30 anos, e esse encantamento ainda persiste intacto.
A história que se conhece sobre os tempos da gravação, produção e feitura de The Gospel According To The Meninblack é, no mínimo, intrigante. A morte de Alan McStravich, roadcrew da banda, por inalação de Angel Dust (poderoso tranquilizante para cavalos), pensando que se trataria de uma linha de coca, foi apenas a primeira a ocorrer. A segunda aconteceu com o criador do logo da banda, Kevin Sparrow, que faleceu no dia de Natal ao tomar, acidentalmente, uma cápsula de mogadon com uma garrafa inteira de whisky. Finalmente, Charlie Pyle, tour manager dos The Stranglers, morreu vítima de cancro com apenas 24 anos de idade. Na verdade, estes episódios trágicos terão marcado profundamente os membros do grupo, e mais ainda os perturbaram quando uma série de outros factos ligados à feitura deste e do anterior disco (The Raven, 1979) foram acontecendo (imagens de portfólio, master tapes e vozes de faixas gravadas que desapareceram misteriosamente). Estava, portanto, criado um clima de bastante estranheza e perplexidade ao redor do nascente The Gospel According To The Meninblack. Se a tudo isto juntarmos doses massivas de consumo de cocaína por parte dos membros do grupo durante o período de gravação do disco, talvez possamos entender melhor a obra que os The Stranglers souberam gerar, uma obra conceptual sobre objetos voadores não identificados e consequentes visitas ao nosso planeta. Para além dessas constantes invasões extraterrestres desde tempos imemoriais, a linha conceptual do disco traz ainda à baila uma organização não governamental de nome Men In Black (que tenta esconder e eliminar pessoas e informações sobre esses mesmos objetos voadores), tudo isto contado através de uma narrativa de contornos bíblicos. Confuso? Talvez. Dou isso de barato, mas ouvir o disco, como eu já ouvi dezenas e dezenas de vezes ao longo da minha vida, faz-me acreditar que este The Gospel According To The Meninblack é um disco que se estranha de início, mas que depois de devidamente digerido, revela-se grandioso em toda a sua inusitada plenitude.
A mítica primeira faixa, em tons de valsa, é uma das mais conhecidas composições da banda. Chama-se “Waltzinblack”, e não necessita de quaisquer apresentações, suponho eu. Segue-se “Just Like Nothing On Earth”, um dos dois singles do álbum, e algumas das impressões digitais sonoras dos The Stranglers começam a dar um ar da sua graça, embora sem exageros, digamos assim. Bastava estas duas primeiras composições para se perceber que estavam diferentes, estes rattus norvegicus. “Second Coming” traz alguma dose de melodia, e é uma das melhores do disco. Eu, no entanto, prefiro a seguinte “Waiting For The Meninblack”. Mais dura, angulosa, com forte batida, adoro-a. O instrumental “Turn The Centuries, Turn” termina o lado A, e o que sobra, numa primeira audição, é a tal dose de estranheza já aqui várias vezes referida. Virando o disco, a punkish “Two Sunspots” ataca com a sua energia vibrante. Segue-se “Four Horsemen”, a canção que mais tempo me levou a digerir. Hoje já não a estranho, embora me pareça ainda o momento menos conseguido do disco, sendo que, no entanto, gosto bastante da mudança que decorre lá para o meio do tema, e a partir desse instante, e até ao fim, é o instrumental que reina. A meio do lado B, a excelente “Thrown Away” aparece, e a sua forte linha de keyboard não deixa ninguém indiferente. O mesmo já não acontecerá com “Manna Machine”, aparentemente desinspirada, mas que vai ganhando vida própria a cada nova audição. O disco finda com “Hallow To Our Men”, longa, com mais de 7 minutos, a meio caminho entre o prog e o kraut, de que gosto particularmente.
O que mais terá desagradado aos The Stranglers, face ao desapontamento generalizado que o disco suscitou, foi o facto da banda estar perfeitamente convencida de que The Gospel According To The Meninblack seria, de longe, o seu melhor disco, feito exatamente como os próprios desejavam. Para Hugh Cornwell, por exemplo, este continua a ser o seu disco preferido de todos os que os The Stranglers gravaram. A frustração tomou um pouco conta da banda, mas a reação não tardou com o disco lançado ainda no mesmo ano de 81, que lhes trouxe de novo o reconhecimento por momentos perdido. Refiro-me ao aclamado “La Folie”, também ele de boa memória. Mas isso seria já outra conversa, que agora não faz qualquer tipo de sentido. Ouça The Gospel According To The Meninblack com mente e ouvidos bem abertos, e isso bastará para entrar num ambiente do qual dificilmente quererá sair.