Taking Tiger Mountain (by Strategy) é mesmo um disco excecional. Não haverá muitas outras palavras para o descrever, e por isso o melhor é ouvir com atenção esta pérola preciosa nascida em 1974.
Trinta e oito anos (!!!) depois de ter sido lançado por Brian Eno, Taking Tiger Mountain (by Strategy) chegou-me aos ouvidos. Foi em agosto de 2012, e surgiu-me como uma autêntica benção para a alma e para o corpo. Este segundo disco a solo de Eno (o primeiro é outra pérola, e dá pelo nome de Here Come The Warm Jets) tem a beleza sinistra dos objetos estranhamente requintados, tem a profundidade que se exige a uma obra maior, tem canções que ficam no ouvido logo à primeira audição, embora se instalem muitíssimo melhor com o decorrer do tempo, e tem ainda a grandeza dos trabalhos intemporais, mesmo que se perceba um ou outro momento mais datado no tom de algumas canções. Tem, portanto, tudo o que se espera de um disco para a vida, digamos assim.
Lendo a Wikipedia, descobri tratar-se de um trabalho conceptual, misturando espionagem com revolução comunista chinesa. Como gostei tanto do disco, decidi investigar mais um pouco, e encontrei algumas surpresas. O músico inglês ficou fascinado por um conjunto de cartões postais que encontrou e comprou em São Francisco, e que anos depois usaria como base do seu album de 1974. Esse conjunto de postais era referente a imagens de uma ópera revolucionária chinesa do tempo de Mao, claro está. A ópera de Beijing dava pelo nome de Taking Tiger Mountain by Strategy, ou se quisermos ser mais puristas, intitulava-se 智取威虎山. Adiante… O espétaculo, bem à maneira chinesa desse tempo, narra um episódio de contornos verídicos acontecido em plena guerra civil chinesa (1946). Yang Zirong é um jovem comunista convicto, que resolve infiltrar-se, disfarçando-se, num grupo de bandidos na tentativa de os levar de vencida, o que acaba por acontecer, sobressaindo assim mais um triunfo marcado pela ideologia maoista. A ópera é inspirada num romance de Lin Hai Xue Yuan, de grande sucesso na China. Aliás, um famoso filme do realizador Xie Tieli (de 1970), é tido ainda hoje como uma das obras mais vistas da história do cinema, com mais de 7,3 biliões de espectadores, embora também se saiba que os chineses eram obrigados a ver o filme repetidas vezes, facto que também não nos causa grande surpresa, convenhamos. No entanto, o que agora importa é o disco, e não os contornos que terão estado na base do seu nascimento artístico. No entanto, e apesar de todas estas curiosidades (é apenas esta a importância que lhes dou), no álbum que agora se apresenta nada do que se referiu transparece. Ainda bem.
Por isso, o que importa, sobretudo pela urgência superlativa que o disco impõe, é dizer da obrigatoriedade da audição de Taking Tiger Moutain (by Strategy). O álbum é uma autêntica maravilha, abrindo com todo o charme possível e imaginário. A canção é das melhores da carreira do mago Eno e dá pelo nome de “Burning Airlines Give You So Much More”. é deliciosamente melódica e tem requintes composicionais de nos fazer cair o queixo. As guitarras que se vão ouvindo em segundo plano são impressionantes, por exemplo, assim como os coros em determinados momentos do tema. “Back In Judy’s Jungle” é outro instante soberbo. Meio desengonçada, parece que avança e recua, mas acaba por seguir triunfante. Aquele momento instrumental depois de se cantar “and this is the sound that they heard” é dos melhores momentos de toda a carreira de Brian Eno. Outro clássico é “Fat Lady of Limbourg”, intrigante e assertiva, tanto nas palavras como no ritmo. O rock “Third Uncle” destoa entre todas as composições, e é, sem sombra de dúvida, puro kraut com sabor ao punk dos Stranglers. Inpressionante, ainda hoje. Impressionante, sempre.
Vale ainda mencionar mais dois temas, como “The True Wheel”, que poderia ser, ainda hoje, um hit mundial, tivesse o mundo o gosto requintado capaz de fazer a separação entre lixo e luxo. Ou, para terminarmos o texto, a faixa que dá fim ao álbum em apreço. Chama-se exatamente “Taking Tiger Mountain” e difere de todos os outros, insinuando-se por caminhos mais instrumentais e paisagísticos que Eno trilharia tantas e tão boas vezes no futuro, embora aqui ainda restrito ao formato canção. Nem a voz e o canto faltam: “We climbed and we climbed / Oh, how we climbed / My, how we climbed / Over the stars to top Tiger Mountain / Forcing the lines through the snow”. Estes versos, repetidos a partir de metade dos cinco minutos e meio da canção, são deliciosamente devastadores. A beleza do tema é olímpica e só os surdos poderão ser-lhes indiferentes. Ao tema e ao disco. Em nome próprio e em formato canção, Taking Tiger Mountain (by Strategy) é o maior triunfo de Brian Eno até hoje. E tudo leva a crer, que continuará a ser insuperável!
As vezes não consigo postar comentário,uma pena,eu gosto de deixar minha ”impressão-digital” por onde passo,rs.