Se dúvidas houvesse, os Murder Capital provaram que a Irlanda é uma das principais forças motrizes do rock.
Há vários filmes icónicos que começam pelo fim. Pulp Fiction, Fight Club, Citizen Kane, Memento, Eternal Sunshine of the Spotless Mind, são alguns dos que me vêm à cabeça, assim de repente. O efeito é simples – desenhar um círculo narrativo perfeito, deixando o espectador preocupado não com como a coisa vai acabar, mas sim, em como lá se chegou. Pois bem, vou inspirar-me nos incontornáveis nomes de Tarantino, Fincher, Wells, Nolan e Gondry, e começar a contar-vos esta história pelo fim.
Catorze músicas tinham sido tocadas. Perguntei ao Rui, que tinha visto setlists anteriores, se estaria numa dessas “Love of the Country”, ao que me respondeu negativamente. Fiquei fodido lixado, foi a que mais me marcou de Blindness e tenho ouvido em repeat. Seria uma maldade irreparável, num concerto que estava a ser deveras agradável. Momentos antes, o David tinha partilhado a história de, quando viu os Fontaines D.C., só de Dogrel na bagagem, e que o que mais o marcou foi não terem cantado “The Lotts”, e eu simplesmente não quis acreditar que iria também ficar com uma história assim para contar. Fui retirado destes pensamentos pelo riff inicial, e eis “Love of the Country” em todo o seu esplendor. Fez-se silêncio total para se ouvir os seis minutos finais, todo o público percebeu que era o que a canção merecia, num arrepiante momento de comunhão.
Os Hex Girlfriend, banda de abertura, não conquistaram, torço sempre o nariz a bandas que vêm com sons pré-gravados e carregam no play para os lançar. E ainda mais a uma sonoridade que mistura eletrónica e industrial. Adiante.
Os Murder Capital são já clientes frequentes do nosso cantinho à beira-mar plantado – nos últimos anos têm visitado diferentes locais do nosso país – Paredes de Coura em 2022, Porto em 2023, Lisboa, a abrir para Nick Cave, em 2024. Eis então que, finalmente, nos chegam em formato concerto em nome próprio, trazidos pela Pic-Nic, a uma sala que já marca a noite lisboeta.
Inserido na tour de apresentação de Blindness, terceiro disco da banda irlandesa, este concerto incidiu naturalmente nas canções que o compõem. Apesar de estar ainda fresquinho nas prateleiras, já muitas pessoas no público souberam acompanhar as letras cantadas por James McGovern. A sala estava bem composta, mas claramente o público que anda por aí, maluco com os Fontaines D.C., ainda não descobriu esta outra pérola da mesma cidade, com um estilo e sonoridade muito parecida (apesar de, por aqui, termos avisado para a sua pertinência, em episódio de Rádio Clube Altamont).
O arranque foi feito com “The Fall”, arrasadora e na qual foi logo exigido um moshpit. O público soube responder, mostrando-se com energia para acompanhar a banda, e assim criar uma simbiose perfeita para vivenciar o pós-punk dos irlandeses, com todos os seus traços naturais, escuridade, intensidade, introspectividade. Incluíram na setlist uma música que desconhecia por completo, “Heart in the Hole”, single lançado em 2023. De Gigi’s Recovery, álbum que me apresentou a banda, faltou a pujante “Return My Head”, mas tocaram “A Thousand Lives”, “The Stars Will Leave Their Stage” e a portentosa e devastadora “Ethel”, já no encore, antes de “Words Lost Meaning” com o seu mantra
Oh, I never need you to say, “I love you”
The words lost meaning
E chegámos ao fim, o que, neste caso, significa voltar ao início. Foi bem bom. Fãs de Fontaines, o que estão à espera?
Fotografias: Rui Gato






















