O pior cego, é o que não quer ver.
Ia jurar que tinha escrito crítica de Gigi’s Recovery, de 2023, mas fui procurar e nicles. Afinal foi só mesmo alvo de review em formato áudio, no nosso Rádio Clube Altamont de Março desse ano. Nessa altura estava bem apanhadinho pelo disco, para infortúnio dos meus comparsas de podcast, que já não suportam o facto de eu escolher “sempre a mesma banda”. Depois disso infortúnio para mim, vieram a Lisboa fazer a primeira parte de Nick Cave no MEO Arena, mas calhou no dia do meu aniversário, impedindo-me portanto de os ver. Em Fevereiro deste ano lançaram o seu terceiro longa duração, este Blindness, e não me agarrou à primeira. Nem à segunda. Posso mesmo assumir que estava desapontado. Eis que concerto em nome próprio e tudo mudou.
Todos sabemos como um concerto pode mudar vidas. O que fizeram os Murder Capital no LAV foi mostrar-me, de forma a não deixar dúvidas, como Blindness tem grandes canções. Até houve ali um momento, no concerto, em que James McGovern olhou diretamente para mim, como que a dizer estás convertido agora? (tenho testemunhas que podem comprovar este olhar).
Blindness foi concebido em apenas três semanas, e captura a urgência e a energia crua que caracterizam a banda irlandesa. A faixa de abertura, “Moonshot”, é explosão sonora, guitarras distorcidas, vocais viscerais, um pouco de caos e outro tanto de contemplação. De seguida temos “Words Lost Meaning”, que se destaca pelo seu ritmo e letras viciantes, um mantra que fica na cabeça, sobre a perda de importância das palavras e dificuldades de comunicação prementes nos dias de hoje. A influência do grunge dos anos 90 é bastante evidente, o que confere à canção uma atmosfera nostálgica.
Mais à frente, “Death of a Giant” é uma homenagem ao falecido Shane MacGowan, líder dos The Pogues e ícone irlandês. Remetendo para o funeral do músico, consegue combinar melancolia e reverência, destacando-se como um dos momentos mais emotivos do álbum. Neste âmbito, temos também “That Feeling”, canção em crescendo quer em ritmo, quer em sentimento, terminando conquistadora.
Tal como acontece com os Fontaines D.C., também os Murder Capital nos esfregam na cara a sua paixão pelo país natal. Na minha opinião, a grande canção do disco é mesmo “Love of Country”, onde a banda aborda o nacionalismo e a identidade irlandesa, inspirando-se nos tumultos ocorridos em Dublin em 2023. A letra questiona: “Can you blame me for mistaking your love of country for hate of men?”, refletindo sobre o patriotismo tóxico e suas implicações sociais.
Blindness é uma obra coesa, com um belo arcaboiço sonoro e um lirismo profundo, refletindo de forma lúcida as experiências pessoais e coletivas dos membros da banda. Estava cego, mas quis ver, e isso fez toda a diferença para chegar a esta conclusão – com este álbum os Murder Capital reafirmam-se como uma das vozes mais relevantes do post-punk contemporâneo.