Perdoem-me o sentimentalismo, mas para mim, os The Kills são sentimentais. Por causa deles, fui a Paredes de Coura em 2004 e voltei logo a seguir para Lisboa, fui a Madrid onde vi um dos melhores se não o melhor concerto
deles; gastei 25 libras a comprar o sete polegadas de Fuck the People, o mais caro que alguma vez comprei na vida; e quase fiz o pino para os entrevistar no Sudoeste em 2005 e no fim da conversa ainda recebi um abraço apertado da Allison.
Obviamente não foram os únicos a receber este tipo de dedicação, mas são, de longe, uma das bandas que mais mexe comigo. E por causa disso mesmo podia vir para aqui dizer que o concerto de quinta-feira, 3 de novembro, no Coliseu de Lisboa, foi espectacular. Mas não foi. Foi só muito bom. Se tivesse sido todo como a sequência dos dois temas finais e depois o encore, então sim, teria sido espectacular.
Nesses últimos 30 a 40 minutos, os The Kills pareceram-se mais com os de antigamente, quando eram só Allison Mosshart e Jamie Hince em palco, sem a banda de suporte lá atrás. Quando sozinhos conseguiam ocupar palcos imensos com a sua química selvagem e despojada. Porque os The Kills são muito essa proximidade e cumplicidade entre os dois. E na quinta-feira, apesar de já ser altura de terem um Coliseu só para eles, o palco ainda pareceu demasiado grande.
Claro que houve essa cumplicidade. Logo ao terceiro tema, quando as bocas se juntam na já velhinha “Kissy Kissy”, quando sorriem um para um outro a meio de um tema e ela se aproxima de propósito para lhe dar um beijo na
cara, ou quando cantam em coro “Echo Home”, um dos melhores temas do novo Ash & Ice, cada um em sua ponta do palco a fazer jus à letra da canção.
E claro que houve a mesma energia de sempre, principalmente da parte de Allison que percorre o palco a deambular eletricamente, sem descanso, sem parar, atirando o corpo e o cabelo descolorado para todo o lado, como se
tivesse a tentar exorcizar os males da vida. E se calhar está.
E claro que houve empatia com o público, principalmente em temas como “Impossible Tracks” e “Doing it to Death”, ambas de Ash & Ice, ou em “Baby Says” e “Tape Song”.
Mas foram naqueles últimos 30 a 40 minutos que tudo isto se conjugou melhor. Assim que terminou “Whirling Eye”, o último tema do novo álbum Ash & Ice, e se ouviu o arranhar de Radio Germany, ficou logo a sensação que algo memorável ia acontecer. As luzes ficaram azuladas e densas e “Pots & Pans” entra a abrir, com Allison atrás na percussão, e termina ainda com mais força, com grandes holofotes intermitentes a acompanhar a guitarra distorcida de Jamie Hince. Há uma breve pausa. Ouvem-se agora os acordes de “Monkey 23”, do excelente primeiro álbum Keep On Your Mean Side, de novo cheio de força até ao abraço a quatro para a despedida.
O encore veio pouco depois – são cada vez menos espontâneos os encores – só com Allison na guitarra, a meia luz, a tocar a canção de desamor “That Love” (porque também há canções de amor no rock), mais uma de Ash & Ice,
mas é este o álbum que estão a apresentar. Seguiu-se outros dos temas a destacar do novo álbum: “Siberian Nigths”. Este mais dançável. E depois, de volta ao rock sujo, chegam “Love is a Deserter” e “Sour Cherry”, arrebatadores e intensos. Para fechar em beleza o que começou morno e acabou quente, a transpirar, e com desejos de que que no dia seguinte eles estivessem lá de novo para os ver. Mesmo sendo só muito bom e não espectacular.
Setlist:
- Heart of a Dog
- U.R.A. Fever
- Kissy Kissy
- Hard Habit to Break
- Impossible Tracks
- Black Balloon
- Doing It to Death
- Baby Says
- DNA
- Tape Song
- Echo Home
- Future Starts Slow
- Whirling Eye
- Pots and Pans
- Monkey 23
Encore
- That Love
- Siberian Nights
- Love Is a Deserter
- Sour Cherry