Fez todo o sentido que Brian Eno escolhesse Laraaji para o terceiro disco da série fundadora da música ambiental. Afinal, as sonoridades celestiais e meditativas do músico americano ligavam-se perfeitamente com o manifesto ambiental de Ambient 1: Music for Airports, que falava num tipo de música tão ignorável quanto interessante. E foi precisamente nesse estado que deambulámos na passada sexta-feira, embriões dentro de um útero metafísico – qual 2001: A Space Odyssey – que era manifestação pura, tão simples e tão complexa, tão curta e tão infinitamente extensa.
A sessão de meditação conduzida pelo mestre laranja e organizada pela ZDB em parceria com o espaço Inatel Mouraria fez-se essencialmente de duas secções: uma de libertação – com a participação activa do público – e outra de relaxamento – esta mais perto do som ambiental, onde várias camadas se fundem num corpo que nos pode levar tanto ao sono como ao êxtase.
Na primeira, Laraaji conduziu-nos num trilho tântrico de mantras que cantava para nós e nos fazia repetir, enquanto a sua cítara construía pedra a pedra a estrada para o jardim da paz. Mantras, frases e sílabas em várias línguas e exercícios de riso fortaleciam a ligação entre o caminho e os seus caminhantes, libertando-os de constrangimentos e obstáculos.
O portão do jardim já se via ao fundo e aí os ritmos – entretanto acelerados – tornaram-se massa plácida que teceu os lençóis para o relaxamento muscular necessário para a entrada no paraíso. A mão no peito e o sentir da água que nos ocupa a maior parte do corpo, liquidificarmo-nos com ela através do riso e deixarmos qualquer tensão se evaporar.
Foi aí que nos deitámos para os cinquenta minutos que se seguiriam: uma viagem pelo mundo que existe entre a mente e as paredes expansivas do Universo. De olhos fechados, vimos o grande e escuro vazio transformar-se num corpo infinito de luzes, cores, formas abstractas e criaturas divinas. A transformação era impulsionada pelas texturas orgânicas que Laraaji ia manipulando para alimentar e amansar a nossa mente. Cantos mistificados com pedais que adicionavam novas frequências à composição, tornando Laraaji num coro do além, loops de espíritos e ruídos reverberados que nos faziam levitar num corpo uno, total e omnipresente.
A viagem continuaria por horas na nossa mente até que de repente “acordávamos”, com o sábio de vestes cor-de-laranja a informar-nos que a experiência tinha terminado. Não estávamos preparados. Mas deixámos a Mouraria abençoados, relaxados, felizes e agradecidos. A única coisa que ficámos a desejar depois da meditação com Laraaji foi uma sessão semanal de bastantes mais horas. À falta dela, ponhamos então Ambient 3: Day of Radiance – ou qualquer outro disco do profeta da new-age – a tocar e lancemo-nos à descoberta, à meditação e ao nirvana.
Fotos gentilmente cedidas por Vera Marmelo.