Há 40 anos, uns muitos jovens The Cure estreavam-se em disco com Three Imaginary Boys, um petardo pós-punk ainda à procura do som que os tornaria grandes, nos álbuns seguintes
Tudo começou aqui, no longínquo ano de 1979, embora a banda que naquele ano se estreou nos discos já estivesse activa desde 1974. Foi então que os muito jovens Robert Smith, Lol Tolhurst e Michael Dempsey, colegas de escola, começaram as suas aventuras musicais, que começaram a ser levadas relativamente mais a sério a partir de 1976. Já com um nome, Easy Cure, e ensaios regulares, o sonho de ter uma banda começou efectivamente a formar-se, o que só ganhou força quando, depois de responderem a um anúncio de jornal, em 1977, venceram um concurso com a editora alemã Hansa, para gravar. As coisas com a Hansa acabaram por não correr bem, porque aparentemente os responsáveis queriam uma banda de adolescentes que fizessem umas covers jeitosas, algo que Smith rejeitou liminarmente.
Estes rapazes imberbes, com meia dúzia de canções próprias, já tinha uma confiança assinalável, e acabam por ser recompensados mais tarde, quando uma demo enviada às cegas para a Polydor chega à secretária de Chris Parry. Este já tinha vários anos de Polydor e tinha sugerido que esta assinasse com os Sex Pistols e com os Clash, não conseguindo convencer a editora. Ficou a consolação de ter conseguido apanhar os The Jam, mas ficara-lhe a lição: uma grande editora não está, muitas vezes, talhada para correr os riscos necessários com projectos novos. A ideia de lançar uma editora sua não lhe saía da cabeça, e quando ouviu a demo dos The Cure (já com novo nome) sentiu que estava ali a sua oportunidade. Foi assim que nasceu a Fiction Records e a banda de Robert Smith conseguiu finalmente chegar aos ouvidos do público, já depois de mudanças na formação que acabariam por marcar todo o percurso do grupo.
Havia já alguns pontas de lança, nomeadamente “Killing an Arab” e “10:15 Saturday Night“, que faziam algum sucesso ao vivo e que ocuparam respectivamente os lados A e B do primeiro single dos Cure (com Smith sempre a insistir, e com razão, que o single era um duplo Lado A). Three Imaginary Boys foi gravado rapidamente, como era hábito de uma banda nova daquela época. A experiência dos rapazes em estúdio era zero, pelo que pouco input criativo tiveram em termos de produção. Esse disco de estreia trazia 12 temas, incluindo “10:15 Saturday Night” mas não “Killing an Arab”, curiosamente. A pressa e a “tusa” em gravar geraram um trabalho que, aqui e ali, tem momentos de brilhantismo, já indicando o talento de Smith para criar grandes singles, e pistas do “som Cure”, mais denso e claustrofóbico, que só se viria a cristalizar no disco seguinte.
Na verdade, esse primeiro disco era um repositório de várias coisas, não sendo por isso de estranhar a inclusão de uma versão anfetaminada de “Foxy Lady”, de Jimi Hendrix, logo eles que haviam fugido da Hansa para não serem mais uma banda de covers. No meio da miscelânea de estilos, o terreno mais ocupado era o do pós-punk (“Grinding Halt” ou “It’s Not You”), até pela produção utilizada. Mas há ali lugar também para uma pré-new wave e para pop, rock e o estilo Cure dos discos seguintes (“Another Day” ou a faixa-título). O imaginário estava lá, a música estava a chegar.
Anos mais tarde, o próprio Robert Smith acabaria por criticar esta primeira incursão discográfica, o que se compreende. Apesar de muito, muito novo, estava a evoluir extraordinariamente depressa enquanto compositor, e Three Imaginary Boys não era composto necessariamente pelas melhores músicas dos Cure, mas sim das que, aparentemente, estavam mais próximas de serem gravadas. Sinal disso é a composição daquele que é talvez o maior hino dos Cure, “Boys Don’t Cry”, que é desse ano de 1979 mas só apareceu formado depois da gravação do disco, não sendo nele (ou em qualquer LP) incluído. Várias das músicas originavam de anos antes e representavam pouco do que os Cure eram e, sobretudo, para onde eles queriam ir e iriam rapidamente, logo nos discos seguintes.
Não é de estranhar que, logo a seguir, a edição de estreia dos Cure nos EUA fosse diferente. Boys Don’t Cry, o álbum, é o nome dado ao “primeiro” disco deles editado em solo norte-americano: uma selecção de oito músicas de Three Imaginary Boys aditivada com os singles “Boys Don’t Cry”, “Killing an Arab” ou “Jumping Someone Else’s Train”. Não foi este o primeiro disco dos Cure, mas é uma obra muito mais cuidada, mais equilibrada e menos imberbe (e contando com uma capa menos conceptual do que o cor de rosa da edição original, que foi criticada durante anos até se ter tornado num ícone do design).
Three Imaginary Boys não é um dos melhores discos dos Cure, mas tem vários pontos fortes e é absolutamente essencial para perceber de onde vieram estes ovnis britânicos que ainda hoje por aí andam a encher estádios e apaixonar multidões.