Ainda hoje brilha com intensidade, o disco que marcou de forma permanente a carreira dos Tangerine Dream. E brilha porque foi um marco histórico na música electrónica cósmica. Brilha porque é Phaedra.
Phaedra quer dizer brilhante, elemento que reluz, cintilação constante. A deusa Fedra (do grego φαιδρός) talvez tenha sido o oráculo que permitiu o alinhamento dos astros para que Phaedra se revelasse ao mundo de forma tão perfeita, há exatamente cinquenta anos. E assim, porque o tempo teima em passar levando-nos com ele, estamos em maré de comemoração. Que os deuses da música abençoem para sempre os magos germânicos Edgar Froese, Christopher Franke e Peter Baumann!
Todos os melómanos do mundo já ouviram Phaedra alguma vez na vida. Ou, como também poderá acontecer, se não escutaram ainda esse álbum seminal, já ouviram falar dele, e estarão conscientes da sua importância na história da música electrónica. No entanto, Phaedra não foi o primeiro registo gravado pelos berlinenses Tangerine Dream. Nos quatro anos anteriores à edição de Phaedra, gravaram os igualmente históricos Electronic Meditation(1970), Alpha Centauri (1971), Zeit (1972) e Atem (1973), este último considerado um dos mais importantes discos do seu ano, pelo sempre atento John Peel. Depois desse inesperado sucesso, os alemães abandonaram a mítica etiqueta Ohr e ingressaram na crescente e importante Virgin, de Richard Branson. E foi durante os últimos dois meses do ano de 1973 que começou a nascer o élepê que hoje apaga as cinquenta velas da sua existência. Exatamente hoje!
Foi com Phaedra que os Tangerine Dream iniciaram os seus virgin years, depois dos pink years de 1970 a 1973. Na editora de Branson, o sucesso do primeiro disco gravado projetou-os para uma inesperada fama, sobretudo porque a música electrónica teria de ganhar espaço ao rock e à pop, o que não se adivinhava ser tarefa fácil. Um dos trunfos para o triunfo de Phaedra foi o uso dos seus célebres sequenciadores electrónicos, que permaneceram durantes largos anos como imagem sonora de marca da banda alemã. Foi experimentando e adornando os seus sons atmosféricos e melódicos que o trio Froese, Franke e Baumann deram corpo aos quatro temas do álbum: “Phaedra”, “Mysterious Semblance at the Strand of Nightmares”, “Movements of a Visionary” e “Sequent C”.Em “Phaedra”, o tema de abertura, vai-se construindo um cenário sonoro de grande riqueza e complexidade. A sua capacidade de nos envolver, de nos puxar para o centro da sua pulsação, enreda-nos e faz-nos perceber que estamos em terreno aéreo, numa elipse sonora de espanto e inquietação, num cada vez mais alto promontório em que parece escassear o peso da nossa própria existência. Passamos a ser mais sopro do que matéria, e esses momentos de transformação são quase indizíveis, de tão poderosamente belos. Deixam-nos parcos em palavras, em expressões. É uma experiência única ouvir “Phaedra”, sobretudo se acontecer no mais profundo silêncio, circundados apenas pela escuridão da noite, melhor cenário para audição de todo o álbum. Parece uma experiência messiânica, portadora de uma verdade divina contra a qual nada se pode fazer, e que nos condena à suprema ataraxia. Estamos presos e livres, unos e fragmentados, perdidos no rumo certo do prazer sensitivo. E quando damos conta, passaram já quase dezoito minutos, até entrarmos em “Mysterious Semblance at the Strand of Nightmares”. Aí, alguma coisa muda. Alguns arrepios, algum receio, uma atmosfera que nos amedronta um pouco. Mas trata-se de uma apreensão boa, que apetece continuar a sentir, tal o efeito duradouro dos portentosos mellotrons de Edgar Froese. Os quase dez minutos dessa faixa são intensos, parecem rodopiar por cima das nossas cabeças em sinal de aviso, até que chega a ainda mais experimental “Movements of a Visionary”. Talvez não seja exagerado pensar que o embrião da música techno possa estar aqui. Sim, é bem possível estarmos a dizer uma grande verdade. No entanto, a terceira faixa do disco vai mantendo a constância dos ambientes anteriores, assim como se apresenta mais curta no tempo que ocupa em Phaedra, o álbum. As quatro faixas vão sendo mais breves, até que a derradeira “Sequent C” se mantém por pouco mais de dois minutos. É uma espécie de último suspiro, um estertor final na longa avenida sonora que devemos percorrer de uma ponta a outra sem grandes interrupções.
Como já referimos, Phaedra faz hoje cinquenta anos de vida. Fará outros tantos e mais ainda, seguramente com o mesmo encanto. Sabe muito bem ouvi-lo nos momentos certos das nossas vidas. Foi o que fizemos, uma vez mais. Felizmente.