Electronic Meditation é um dos mais importantes discos da riquíssima história da música dita eletrónica. Nele encontramos uma força experimental que se destaca de qualquer outra coisa que o álbum contenha. É um trabalho de descoberta: de sons, de ambientes, dos próprios músicos envolvidos.
O disco surgiu aos ouvidos do mundo em junho de 1970. Nesse tempo, um crescente grupo de alemães vinha fazendo música que parecia não existir em mais nenhum local do planeta. O uso de aparelhos eletrónicos tornou-se ponto de experiências várias, e o rock que reinava nas cabeças dos amantes do ritmo e das melodias transformou-se, turvou-se na rigidez dos seus princípios e alimentou-se de um novo fôlego, de uma fresca aragem que orgãos, instrumentos de sopro e alguns batuques e percussões traziam para o centro criativo dos músicos Edgar Froese, Conrad Schnitzler e Klaus Schulze. A unir todos estes sons e instrumentos, as guitarras de seis e doze cordas de Froese, o único músico que acompanhou a banda desde o seu nascimento (1967) até à sua recente morte (2015). Ainda hoje, de uma forma bastante distante do som original, os Tangerine Dream continuam a gravar e a atuar, o que prova que a marca (mais do que um grupo ou banda, é de uma marca que se trata) consegue manter, de alguma maneira, a lenda viva. Se esse estatuto merece respeito, a verdade é que a sua relevância há muito que se esgotou, ficando na história do grupo alemão um largo conjunto de discos inovadores e marcantes de uma época em que navegar no espaço (fosse ele exterior ou interior) fazia-se na cabeça de cada um através de longos lençóis sonoros e de longas trips. Electronic Meditation foi o primeiro passo dado pelos Tangerine Dream, disco histórico da igualmente histórica editora Ohr, que acabaria de estar ligada aos quatro álbuns iniciais da banda, todos eles (quase) perfeitos, elegantes, inovadores e futuristas. Quem nunca viajou por esses maravilhosos e misteriosos sons, merece um galático puxão de orelhas.
Nada em Electronic Meditation é convencional. A criação deste mundo sonoro sem estrutura definida começa com “Genesis” (“Geburt”, na versão original) e desde logo entramos num espaço estreito, recluso, labiríntico, povoado por ruídos que parecem lutar entre si, na vã tentativa de um qualquer triunfo meritório. Há quem lhe chame improvisação, mas aqui essa expressão talvez se revele redutora. Há vida a brotar por todos os lados, sem se saber bem de onde vem e qual o seu real propósito. No entanto, tudo parece começar a aclarar em “Journey Through a Burning Brain” (“Reise Durch Ein Brennendes Gehirn”), mas a viagem é demorada e os sobressaltos avolumam-se, embora se possa, eventualmente, traçar alguma linha narrativa de entendimento, se aquele que o escutar conseguir ir verdadeiramente a jogo. Parece incrível como nada aqui se faz com equipamentos eletrónicos, sendo o título do álbum algo equívoco e enganador. A reta final desta segunda faixa, a mais longa de todo o disco (doze minutos e vinte e oito segundos) leva-nos quase ao desespero, deixa-nos tontos, tal a densidade dos sons que nela se escutam. Segue-se “Cold Smoke” (“Kalter Rauch”), e a aparente tranquilidade inicial é farsante, fingida, espreitando o susto a cada esquina. Banda sonora de algum terror, sem dúvida, sobretudo nos seus três minutos iniciais. No último terço de “Cold Smoke” é a guitarra de Edgar Froese que domina e dita as regras. Grita a plenos pulmões em busca de ar. Em “Ashes To Ashes” (“Asche Zu Asche”), mais do mesmo. Inquietação por todos os cantos, a guitarra disparando, a bateria marcando o compasso. O caminho é feito de sobressaltos, de acometimentos imprevistos, até à derradeira “Resurrection” (“Auferstehung”), que parece terminar antes do fim, mais ou menos a meio dos seus quase três minutos e trinta. Ouve-se uma voz que parece ditar o fim do caminho, uma voz que fala para trás (rückwärts), até terminar de novo com os sons da faixa inicial.
Electronic Meditation é um disco difícil. Não é um álbum amigo de quem gosta (ou quer gostar) dele. A sua personalidade é tão forte, que consegue impor-se a todas e quaisquer tentativas de simpatia ou afeição que queiramos ter para com ele. Talvez esse seu feitio seja o resultado das suas origens, dos seus genes, como a música concreta, por exemplo, com abundantes temperos kraut. No entanto, aquele que procura outra coisa na música para além do prazer harmonioso que ela tantas vezes dá, sabe que aqui estará sempre em casa, e que nem é necessário bater à porta. Basta entrar, mas por sua conta e risco.