É preciso respeitar o silêncio e as suas exigências. É preciso ouvir Music For A Cosmic Garden, dando-lhe tempo para crescer e florir cosmicamente.
Primeiramente, há que saber ao que vamos. Esse é um filtro inicial de enorme importância. Depois, há que perceber da eventual dificuldade em escutar, sobretudo de seguida, o álbum que aqui vos propomos. A disposição para executar essa tarefa, talvez não a tenhamos todos os dias, a toda a hora e em qualquer instante. Convém também, e ainda, perceber que há determinados discos que devem ser escutados nas melhores condições possíveis, digamos assim. Ou melhor, o material de reprodução não poderá ser o computador, por exemplo. Mas se tiver de ser, então que se coloquem bons auscultadores para que a inevitável perda sonora não comprometa o ganho da audição. Ouvir música, estamos em crer, não deveria ser uma atividade que se deva cumprir a par de outras, ao mesmo tempo, repartindo atenções. A música é um bem em si mesmo, e a estima que lhe temos merece o melhor dos tratamentos. Tudo isto ainda se torna mais complicado num mundo que exige de nós a pressa que nem sempre deveríamos ter, mas a que já nos habituámos há muito, provavelmente sem termos verdadeira consciência desse intenso desgaste rotineiro. Há que parar e admirar o que se nos coloca perante os olhos e os ouvidos, como será mais agora o caso. Para se ouvir Music For a Cosmic Garden é preciso tempo, para que o tempo possa devolver-nos o prazer dessa audição.
O álbum é composto por oito faixas ambientais. A mais curta tem quase seis minutos, e a mais longa pouco excede o dobro da mais reduzida. No entanto, o tamanho de todas não parará de crescer a cada audição, mesmo que permaneçam no seu fixo corpo sonoro original. Takashi Kokubo e Andrea Esperti são as cabeças e as almas por detrás deste Music For a Cosmic Garden. O primeiro é compositor e engenheiro de som, enquanto Andrea é um músico e um viajante que percorre o mundo para dele retirar emoções sonoras para as usar posteriormente. Por isso, o que ouvimos em Music For a Cosmic Garden são largas camadas de sons que se vão desenvolvendo e ocupando espaços à nossa frente, delicados e intensos como poucos. Parecem elementos vivos que se preocupam com o nosso bem estar. Tudo aqui é uma celebração solene, uma comedida festa de espíritos dançantes que se espreguiçam até aos limites da beleza. Tudo evoca serenidade e paz, que com tempo (como havíamos dito) poderemos ver florir, ver crescer por entre sons que inspiram caminhos sem destinos marcados.
Temas como “Travelling Through The Stars To Gaia”, “A Calm & Elegant Utopia” e “Lights Of Alpha Centauri” remetem, inevitavelmente, para as obras maiores dos Tangerine Dream, como Alpha Centauri (1971), Zeit (1972) ou Atem (1973). Vivem de cintilações, de sopros etéreos, de constelações sonoras. Se o silêncio fosse capaz de provocar ruído, muito provavelmente seria assim. Já em “Whales Of Sirius” e em “Gaia’s Love Theme” encontramos algum maior sentido melódico, já não apenas evocativo e paisagista como os anteriormente referidos. O minimalismo do que se ouve, assim como os parcos recursos presentes, acentuam o primitivismo atmosférico da viagem a Gaia, local ancestral onde residia o espírito cósmico da criação terrena. O mesmo acontece com “Valley Of Wind In A Cosmic Garden”. A viagem aproxima-se do fim, ou de um qualquer início renovado.
Music For A Cosmic Garden surgiu pela editora WRWTFWW Records (We Release Whatever The Fuck We Want Records) e saiu nos finais do passado mês de fevereiro. Temos vindo a ouvir esta imensa ode cósmica e a maravilhar-nos com as suas ogivas de silêncio musicado. E assim, entre a estupefação e o arrepio permanentes que já duram há algum tempo, talvez possamos, qualquer dia, dizer sobre tudo isto alguma coisa de valor.