O Super Bock Em Stock regressou. O primeiro dia do festival foi a meio-gás, com poucas atuações de encher o olho — e os ouvidos. Ainda assim, houve momentos preenchidos com música e boas vibrações.
No momento em que os Black Country, New Road cancelaram a sua digressão europeia, o Super Bock Em Stock levou um duro golpe. O conjunto inglês alegou um motivo de «doença prolongada dentro da banda» e milhares de fãs portugueses ficaram com o coração nas mãos. A banda natural de Londres era, certamente, um dos nomes mais fortes do cartaz deste ano do Super Bock Em Stock — se não o mais forte. Só de pensar que podíamos ter ouvido For the first time de uma ponta à outra e canções inéditas de Ants From Up There, o álbum que será lançado em fevereiro de 2022, ficamos nervosos. Este contratempo obrigou a organização do evento a reorganizar as atuações de alguns artistas: os Iceage vão subir ao palco hoje, tendo sido substituídos pelo bombeiro solitário The Legendary Tigerman ontem à noite. À custa da indisponibilidade de Black Country, New Road, o primeiro dia do festival saiu bastante prejudicado: sem Iceage para ver e escutar, o dia 19 perdeu dois terços do seu interesse de origem. Ainda assim, o que não faltou foi concertos, artistas e música.
O lineup da edição deste ano do Super Bock Em Stock está mais fraquinho do que é habitual — no entanto, é preciso lembrar que o mundo das artes ainda está a recuperar do rombo provocado pela pandemia, que, há precisamente um ano, proibiu a realização do festival. As modas também mudaram. Hoje em dia, é indiscutível que a pop culture está refém do hip-hop e da cultura urbana (nota: não há mal nenhum nisso), mas essa situação leva a que existam cada vez menos artistas indie com guitarras histéricas e agarrados a microfones estrondosos — de certa forma, noutras edições, a Avenida já teve mais cor e foi mais irreverente.

Às 19h45, T-Rex apresentou-se no Capitólio. O jovem rapper angolano encontrou uma plateia despida e constrangida, que contrastou com aquela que se formou no Teatro Tivoli em julho. T-Rex (e tantos outros artistas) foi prejudicado pelo modelo do festival. Ainda que constitua uma experiência citadina criativa e irrequieta, o modus operandi do Super Bock Em Stock dificulta a capacidade de decisão dos festivaleiros, porque há muitos concertos a que pretendem assistir em muitos espaços diferentes. Resumindo, as pessoas não sabem o que fazer: isto é, que artistas ver. Em relação à performance de Daniel Benjamim, nome próprio do dinossauro, diga-se que o artista conseguiu demonstrar toda a sua musicalidade (tem um rap melódico, influenciado por correntes pop-rock), no entanto, o ambiente não acompanhou. Mas, no palco, T-REX e o grupo, os Máfia 73, pareceram não se importar e fizeram a festa toda. Assim que o tema “Tinoni” irrompeu pelas colunas do Capitólio, os membros da plateia uniram-se e cantaram e vibraram em conjunto. Foi um bom final.
Este é um festival de certezas: quando um concerto termina, outro começa a um ritmo alucinante. Neste processo, quem não tem um plano pré-definido queima-se.

Do Capitólio passámos para o Tivoli, para ir ao encontro de Tomás Wallenstein (a solo), mas não pudemos deixar de pensar que, uns metros abaixo, no Coliseu dos Recreios, Sam The Kid e Mundo Segundo estavam a dar aulas «grátis» de poesia. O concerto do vocalista dos Capitão Fausto iria ser um dos bons momentos da noite. Notou-se que o músico tem as lições em dia, estando mais confortável do que nunca em palco — a série de concertos individuais que realizou em outubro constituiu um importante treino. Tratou-se de um concerto intimista em que Wallenstein ofereceu versões de canções de Capitão Fausto (“Amanhã Tou Melhor”; “Amor, A Nossa Vida”) e temas de Cuca Vida (“Travessia”, dedicada a Gastão Reis), mas não só: cantou (e tocou) Zeca Afonso (“Cantar Alentejano”) e Erasmo Carlos (“Vida Antiga”). Pelo meio, realizou incursões por Debussy e terminou o espetáculo com a família em palco — literalmente. “Eu Vim De Longe, Eu Vou Para Longe”, de José Mário Branco, chegou ao Teatro Tivoli pelas mãos do pai Wallenstein, que trouxe consigo um contrabaixo, pelo coro organizado pela companheira, pela irmã e por uma ex-namorada do pai, e ainda pelos Capitão Fausto e por vários elementos da Cuca Monga.

Os Atalaia Airlines, que também fazem parte da família Cucamonga, lançaram ontem o álbum de estreia — Atalaia Airlines — e a expetativa era imensa, visto que se tratava do primeiro concerto na ainda curta história da banda. Apesar de poder ser considerado, numa primeira análise, um álbum paródia (conta com participações de David Bruno e Mike El Nite), Atalaia Airlines guarda muita música e inúmeras invenções/inspirações criativas, nomeadamente city-pop japonês. O concerto, que teve lugar no Palácio da Independência, foi um dos mais animados da noite e notou-se que os intérpretes e a plateia estavam a aproveitar verdadeiramente o momento: ninguém parou de sorrir e de dançar. A ordem dos temas foi a seguinte: “Intro”; “Cashflow” (um dos grandes temas do álbum); “Arma Mortífera”; “Pacific Ocean”; “Um Pouco Mais”; “Tás M’Aleijar”; “Niteflix” (com direito a Mike El Nite em palco) e, a fechar, “Primeira Classe”. O concerto dos Atalaia Airlines foi verdadeiramente uma celebração de nascimento.

É impossível assistir a todos os concertos disponíveis, portanto fica difícil selecionar o melhor espetáculo da noite. Contudo, parece-nos que os Sports Team ofereceram uma das atuações mais fortes do primeiro dia do festival. Os ingleses tomaram a sala SBRS.FM (na Estação Ferroviária do Rossio) de assalto. A uma plateia louca e com sede de confusão e cerveja, mostraram o poder caótico e rockeiro do álbum Deep Down Happy, um «modern classic» do rock inglês (foi nomeado para um Mercury Prize em 2020). A britpop vive nas veias musicais dos seis músicos que formam a banda. O público do Super Bock Em Stock recebeu os Sports Team de forma calorosa, tendo participado em quase todos os momentos do concerto. Os ingleses reconheceram o carinho e retribuíram ao tentar cantar “A Minha Casinha”, dos Xutos & Pontapés, depois de uma sugestão vinda do coração do Rossio. Durante uma hora, entre gritos, mosh pits e guitarradas, o mundo seguiu o rock e regressou a um passado recente, onde máscaras de proteção eram objetos distópicos.
O cartaz do dia de hoje é mais generoso. Aguardamos com muita ansiedade as prestações de Iceage, Benny Sings, David & Miguel e Wet Leg, sem esquecer os concertos de Charlotte OC, NiNEe8 Collective e Priya Ragu.
Até logo!
Fotografia: Cecile Lopes
Fotografia: Inês Silva