Way Out Weather, lançado a 7 de Outubro, é o novo disco de Steve Gunn, talentoso guitarrista que no currículo conta já com colaborações com o histórico guitarrista Mike Cooper (lançaram juntos, este ano, um disco intitulado Cantos de Lisboa) e com um dos grandes nomes do rock contemporâneo: Kurt Vile – Gunn chegou a tocar na banda de apoio a Vile ao vivo, os Violators. As credenciais são, por si, esclarecedoras. Contudo com este Way Out Weather Steve Gunn dá um passo importante para assumir também ele um papel relevante na (boa) música americana e deixar de ser apenas «o rapaz que tocou com o Kurt Vile e fez um disco a solo».
Em Way Out Weather Gunn expande os horizontes, conseguindo proezas difíceis: ao misturar vários instrumentos, consegue que, tornando-se o som orgânico, ainda oiçamos claramente os seus dotes de guitarrista e alcança a criação de um universo musical próprio e heterogéneo: intimista, solar e relaxante mas, aqui e ali, também capaz de voar e acelerar o ritmo. O disco soa a um encontro imaginário entre o seu companheiro Kurt Vile, um desses guitarristas clássicos que todos os bons guitarristas conhecem, como John Fahey ou Townes van Zandt, por exemplo – se bem que paire também aqui o ritmo das canções de Bob Dylan – e uma banda como os Real Estate (pela criação desse ambiente relaxante, solar e viajante).
A dimensão das canções é uma das notas: este disco tem cerca de 43 minutos e apenas oito canções. Já imaginam a duração de cada tema, e bastará dizer que a mais curta ronda os quatro minutos; ou que, das outras sete, cinco ultrapassam os cinco minutos e meio. Outra nota que faço é relativa aos versos da canção. Talvez pela cada vez maior experiência a solo (de discos e de palco), Gunn vai aprimorando a sua técnica vocal e ao mesmo tempo vai criando temas onde os versos, cantados, soam cada vez melhor – as palavras ligam-se bem umas às outras, as rimas soam bem e conectam-se bem com a secção rítmica.
Todos os oito temas do disco têm uma qualidade muito alta. Na inaugural «Way Out Weather», tema-título, Steve Gunn mostra logo ao que vem: tema de dimensão superior a seis minutos, longo período instrumental no início (a voz só surge após quase dois minutos) e a criação desse universo relaxante, onde os acordes de guitarra se ouvem muito bem sobre um fundo algo distante. É um tema intimista muito bonito. «Wildwood» começa mais depurada e mantém um ritmo primordial constante – que nos soa clássico, talvez por relações com a canção tradicional americana –, mas ao qual os restantes instrumentos acrescentam variedade quando entram. «Milly’s Garden» é um single perfeito: nunca a voz de Steve Gunn soou tão perfeita, sob um instrumental com imenso groove, que se vai prolongando até subir o volume na intensidade certa – diga-se que há também por lá um solo de guitarra absolutamente incrível –, e um refrão que fica no ouvido («Your faith is savage / And your mind is damaged / You’re more than halfway there»). Steve Gunn é isto: imenso sentido melódico, grande capacidade de harmonizar os instrumentos e, acima de tudo isto, um virtuoso e pouco folclórico guitarrista, e esta é possivelmente a canção onde os seus dotes como guitarrista – a capacidade de variar o ritmo, a habilidade nos solos, etc – melhor se notam em todo o disco. Em «Drifter», a sexta canção, temos um tema mais eléctrico, de maior peso e intensidade, talvez até mais negro, mas onde a guitarra volta a ser magistralmente bem tocada. E há ainda “Tommy’s Congo”, a canção mais “marginal” do disco, com pitadas de blues e até krautrock e alguma hipnose e groove nos momentos certos.
Enfim, Way Out Weather é, definitivamente, um dos grandes discos de 2014, e Steve Gunn, com o que tem lançado (a já referida – boa – colaboração com Mike Cooper, este disco a solo e um disco, que sairá ainda este ano, onde toca com a banda do baterista que o acompanha) revela-se um dos mais prolíficos músicos do ano e uma das certezas do presente.