A noite de sábado na Galeria Zé dos Bois foi passada na companhia de duas bandas portuguesas, dois power trios, por sinal. Obrigado, Sunflowers, obrigado, Clementine; foi um belo serão rock’n’roll.
Nós, os tugas, temos um péssimo defeito, o de desvalorizarmos o que é nosso. Talvez por isso tenhamos gostado tanto da noite de sábado na ZDB; mesmo em véspera de domingo de Páscoa o “aquário” estava cheio para disfrutar de duas excelentes bandas de rock português, que não ficam nada atrás do que se vai fazendo lá fora. E, já que começámos com a nossa sociologia de pacotilha, acrescentemos que também foi de valor assistirmos a uma presença feminina tão forte: dos seis músicos que pisaram o palco, em dois power trios, quatro eram “miúdas do rock”, rijíssimas, uma lufada de ar fresco num meio onde ainda há muita soez misoginia.
Foram as Clementine que abriram a noite, com o seu riot grrrl “apunkalhado” e saboroso, que, não sabemos se pelo som, se pelo que o rock no feminino logo nos sugere, nos fez lembrar bandas como as Bikini Kill, as Breeders ou os Elastica. Gostámos da sua atitude blasé, quase nunca cometendo o plebeísmo de falar com o público, lá concedendo-nos, sempre deliciosamente enfastiadas, algum do seu rock minimal gourmet, tipo pós-punk mas daquele que gosta de ir mascando, de boca aberta, uma enorme pastilha de morango.
Seguiu-se outro power trio, os Sunflowers, vindos do Porto com uma nobre missão: apresentar a sua nova rodela, acabada de sair do forno, o enorme A Strange Feeling of Existential Angst, já putativo candidato a um dos discos tugas do ano. Vinham os três fardados de igual, com etiquetas a identificá-los e tudo, que sentido de humor não lhes falta.
A estética mudou um pouco, em parte porque o vocalista Carlos de Jesus já não toca apenas guitarra, brincando também amiúde com um teclado da feira popular – era um algodão doce, faz favor, e mais uma viagem de carrinhos de choque…
Não se pense, porém, que a banda se ficou pelos sonhos circenses, longe disso. Veja-se o caso da canção que dá nome ao novo disco, psych punk neurótico, obsessivo e ruidoso, um desabafo contra um difuso mal estar moderno. Ou também a “As Our Mother Rolls the Dice”, com um riff meio roubado ao “Come as You Are”, mas enxertando os Nirvana num pós-punk quase gótico, com negrume na voz à Ian Curtis. Belo o psicadelismo do conjunto, que acontecia não só por via da repetição hipnótica, como também pelos solos deliciosamente “tripados” da guitarra.
O público, apesar de ainda não conhecer bem as novas canções, ia apreciando, pensativo. Porém, no final, quando os Sunflowers foram também picar alguns clássicos dos primeiros discos, mais divertidos e irónicos, com muita cultura trash série b à Ramones, Cramps e B-52’s, como na enorme “Charlie Don’t Surf”, do álbum de estreia, aí é que foi a puta da loucura, com a malta a dançar como se não houvesse amanhã, ensaiando até um tímido mosh.
Foi uma noite muito bem passada, sim, senhor. E uma demonstração de vitalidade da nossa música. Venham mais serões assim…
Fotografias: Rui Gato