Os ingleses The Soft Machine estreavam-se em disco no ano de 1968, com uma composição de luxo: dela faziam parte o multi-instrumentalista Robert Wyatt, o teclista Mike Ratledge e o icónico Kevin Ayers, que se desligou da banda após este primeiro disco, acabando por abandonar e seguir uma interessante carreira a solo.
O disco deste mítico grupo tem uma primeira parte fantástica: a música de abertura, «Hope for Happiness», é uma viagem alucinante que fica a meio caminho entre o rock e o jazz, com o baixo de Kevin Ayers a prolongar-se espacialmente com uma mestria impressionante, acompanhado pela voz de Robert Wyatt e por um órgão eléctrico numa mistura que proporciona o som único. Tudo se torna, ao longo da canção, uma deambulação perfeita e livre, interpretada por músicos de criatividade ímpar. A segunda canção volta a deixar tudo em ebulição: o início denso e fantasmagórico de «Joy of a Toy» tem uma contenção distorcida que cativa e vai crescendo lenta e gradualmente (sendo esta uma das primeiras composições musicais em que se ouve um pedal wah wah).
«Why Am I So Short?» é curtíssima, e tem por isso muito mérito na capacidade de oscilar entre um ataque sonoro e uma acalmia sonhadora. «So Boot If At All» vem de novo fundir tudo: rock em exploração interior, um blues desvairado e o jazz que se sente nos momentos de contenção da faixa (a fazer lembrar algumas canções dos The Doors).
A segunda parte tem também ela excelentes momentos: a curta «Priscilla» faz-nos hoje recordar um Ray Manzarek imerso na música, ao passo que em «Lullabye Letter» ouvimos um blues plenamente livre e criativo, com asas para voar na técnica destes músicos. Há um single obsessivo, onde Kevin Ayers canta repetidamente «we did it again», e uma «Why Are We Sleeping?» que dura mais de cinco minutos e cuja aura mística é tão própria das demandas psicadélicas.
Os Soft Machine eram, nos tempos do seu primeiro álbum, um grupo de músicos com uma técnica impressionante e uma criatividade que jorrava a cada canção. E este é um dos álbuns de referência dos anos sessenta, que tantos discos de qualidade nos trouxe. Mike Ratledge, o fundador que ficou mais tempo na banda, é um dos grandes teclistas do seu tempo. Wyatt, como baterista, era ímpar, e os Soft Machine muito lhe deveram (tanto neste álbum como nos dois posteriores, em que ainda participou); mas este foi o único disco em que Kevin Ayers esteve totalmente presente. Os momentos de fusão entre os três, que se ouvem neste disco, ficaram (e ficarão) na História da música.