The Confessions of Dr. Dream and Other Stories terá sido o último dos grandes discos do músico inglês, mas representa muito mais do que isso. É, acima de tudo, um dos álbuns mais ambiciosos da primeira metade dos anos 70.
Depois de uma estrondosa série de quatro trabalhos seguidos, Kevin Ayers fechava essa sucessão de obras primas com um quinto disco de exceção, The Confessions of Dr. Dream and Other Stories. Para trás ficaram, vejam só, as seguintes pérolas: Joy of a Toy (1969), Shooting at the Moon (1970), Whatevershebringswesing (1971) e Bananamour (1973). Não se poderia pedir mais, mas se mesmo assim quiséssemos fazê-lo, Kevin Ayers não nos teria dado o que gostaríamos, uma vez que até ao ano da sua morte (2013), os seus interesses foram claramente outros, e os álbuns que foi gravando em pouco poderão ser comparáveis aos que acima sublinho. Talvez Sweet Deceiver (1975) e The Unfairground (2007) sejam aqueles que mais se aproximam dos seus melhores trabalhos, mas mesmo assim não terão nunca o estatuto dos primeiros cinco.
Disse há pouco que The Confessions of Dr. Dream and Other Stories é um álbum que espelha uma tremenda ambição, talvez mesmo alguma pompa e faustosidade. Recordo que para a sua gravação foram gastas £32,000, o que era, em 1974, uma bem avultada verba. Como se não bastasse, o disco foi gravado com a utilização de mais de vinte músicos, destacando-se, por exemplo, os amigos Mike Oldfield e Nico, mas também aquele que viria a ser o futuro compagnon de route de Kevin Ayers, o extraordinário guitarrista Ollie Halsall, para além de Mike Gils (baterista dos King Crimson) e de Mike Ratledge, o organista dos enormes Soft Machine, banda a que pertenceu Kevin Ayers antes da sua caminhada a solo.
O disco abre com uma bonita e animada canção pop que serviu de single de apresentação do disco: “Day By Day”. Nada mais enganoso, no entanto, uma vez que os restantes dez temas do álbum em nada se aproximam da sonoridade festiva da faixa inicial. O que começa como um disco solarengo e acessivelmente pop, logo se revelará bem mais denso e obscuro, uma espécie de aventura psych-prog, repleta de maneirismos bem típicos de Ayers, como temas que englobam fases diferentes (“It Begins With a Blessing / Once I Awakened / But It Ends With a Curse” e “The Confessions of Dr. Dream”, faixa com quase vinte minutos de duração, embora dividida em quatro momentos bem distintos), mas também o recurso a vários estilos sonoros, que por estranho que pareça acabam por se incorporar num todo muito lógico e coerente.
Em The Confessions of Dr. Dream and Other Stories tudo é bastante particular e único. Depois de tantas vezes ter ouvido este disco, e depois de o ter feito em fases tão diferentes da minha vida, algo me parece inalterável nesse extenso rol de audições. Há nele uma tensão permanente, uma frieza sonora tocante que apenas em dois momentos não está presente: no início, com a já referida “Day By Day” e no fim, com a serena “Two Goes Into Four”. O resto do álbum é a prova da sublimação do génio torto de Kevin Ayers, autor excecional, tantas vezes injustamente esquecido.
Depois de The Confessions of Dr. Dream and Other Stories tudo passará a ser diferente, como há pouco referi, na obra do músico e compositor inglês. Lembrar este disco como o fim desse seu período dourado fará ainda mais sentido se ouvirmos os seus quatro trabalhos anteriores. A magia de Ayers ainda hoje é evidente e relevante, e o tempo não conseguiu domá-la, prova maior da sua enorme qualidade. O tempo só passou por nós, não por ele e pelos seus magníficos discos.