Tomei contacto com Scott Walker há muitos anos. Foi através de uma maravilhosa coletânea intitulada Boy Child, que reúne duas dezenas de temas do autor, datados de 1967 a 1970. Foi amor à primeira audição. Quem me levou até a esse disco, curiosamente, foi Julian Cope, confesso admirador do músico americano, uma vez que sobre ele foi sempre tecendo vários comentários, tanto nos textos que publicou no seu site como em entrevistas várias.
O passo seguinte, logicamente, deu-se com os celebrados Scott 1 a Scott 4, até que tudo mudou, bem mais tarde, na carreira de Walker. A partir de Climate of Hunter e de Tilt sobretudo, discos de 1984 e 1995, o projeto musical do artista sofreu uma guinada assombrosa, e os caminhos trilhados desde então avançaram para patamares sonoros de enorme densidade, sendo que a audição dos seus trabalhos posteriores a essas datas podem ser entendidos como autênticas odisseias, tal o esforço que exigem por parte de quem os ouve. No entanto, esse dispêndio quase físico exigido ao ouvinte é sempre recompensado. The Drift, por exemplo, é um marco bem comprovativo do que digo, autêntico rochedo sonoro que incomoda, magoa, faz sangrar. O mesmo acontece com o «ambisymphonico» Bish Bosh, fim da trilogia começada em Tilt.
Até que, oito anos depois desse lançamento, eis que nos chega um novo trabalho, desta vez em parceria com os também americanos Sunn O))), banda de drone metal, dark ambient, noise e outros termos afins que nada me dizem, diga-se de passagem. Mas há exceções, como é fácil perceber, e Sunn O))) é uma delas. Curiosamente, também os havia conhecido por via do mesmo Julian Cope, uma vez que o meu adorado músico inglês tinha colaborado com eles no disco White 1, que ouvi com estranheza e algum agrado inconfessado até à data da escrita destas últimas palavras. Quando soube da existência do projeto, fiquei estupefacto! O que poderia sair desse confronto criativo aparentemente tão improvável? O que daí resultou chama-se Soused, álbum a que tenho dedicado a minha maior atenção nestes últimos tempos.
São cinco faixas apenas. Ocupam pouco mais de 48 minutos, mas pesam toneladas! As camadas sonoras são obscuras, soturnas, feitas de nervo, aço, e da mais negra escuridão. Por sobre elas paira a voz de Walker, firme, intensa, dramática. Por vezes, quase num registo de ópera. Parece teatro cantado, peça dramática de desespero e sofrimento. Walker surge errante, do princípio ao fim do disco, por entre riffs de maior ou menos intensidade, ambientais todos eles, numa extensão sonora onde as ideias rítmicas estão quase ausentes. Ruídos de guitarra por todo o lado, sons que não sabemos o que são ou como nos chegam aos ouvidos. No entanto, o sentido composicional de tudo isto parece nunca sair beliscado, e, no fim, depois de termos sobrevivido aos pequenos infernos de «Brando», «Herod 2014», «Fetish», «Lullaby» e «Bull», sentimo-nos esmagados pela força sonora que desabou por cima de nós, pela torrencial descarga de palavras e gritos (que não chegam bem a ser gritos de verdade) a que fomos sujeitos, espécie de intempérie que nos atordoa, mas que ao mesmo tempo também nos fascina, de tão inusitada. A perplexidade é muita, e não sabemos bem o que pensar. Talvez nem o devêssemos fazer, numa primeira instância. Talvez…
Soused não é, nem nunca poderia ser tendo em conta os seus intervenientes, um disco fácil, um disco para todas as ocasiões. Mas não deixa de ser mais um interessante e curioso objeto sonoro feito por mestres credenciados em áreas distintas, mas que aqui, fazendo uso dos seus vastos méritos, convergem na construção de uma obra grandiosa, embora estranhamente bela.