Com mais dois membros, os Salto tornaram-se orgânicos e ácidos. Falam menos de desamor e mais de vida/morte. Mas ainda falam de amor. Se a vida depois da morte for uma festa numa “cidade branca” repleta de música negra, então os Salto instituíram em 2016 um credo novo. Se substituir versículos por canções e vestes rasgadas por sintetizadores, verá que Passeio das Virtudes é uma epopeia (quase) bíblica.
“Nunca faço nada de que não me possa orgulhar. Um dia já no caixão, os bichos não me hão de julgar”, canta Guilherme Tomé Ribeiro em Passeio das Virtudes, canção que dá nome ao disco. Apesar de ser a terceira faixa, este é o tema que dá o tom do disco: uma viagem ascendente, da terra ao “céu”, perfilada em 12 canções espaciais, sem silêncios mas com muita progressividade e polirritmia.
Esse caminho até ao céu – atenção que os Salto “nunca fazem nada que não os conduza até ao céu” – é pautado pela vontade da banda querer se afastar da máquina de ritmos presente no disco anterior, para abraçar instrumentos reais em canções maiores. Tito Romão e Filipe Louro agarram o baixo e a bateria. O multifacetado e electro-mago Luís Montenegro, que antes estava a cargo dos sequenciadores, do baixo e da programação da bateria, tem agora as mãos livres para se tornar no número 6 da equipa, o trinco que joga livremente entre a guitarra, os sintetizadores e qualquer ousadia criativa que lhe der na gana.
E é aí que a magia acontece: canções tão dançáveis e orelhudas quanto as do disco de estreia, lançado em 2012, mas mais soalheiras e sérias. As referências estão à vista: Thundercat no baixo, Roy Ayers nas teclas à lá acid jazz e a eletricidade rock e psicadélica na guitarra e bateria. Um cocktail espacial que toma sentido pela voz de Guilherme Ribeiro, um apóstolo cósmico que tem um sereno “Sonho da Cidade Branca”, a lembrar Brian Eno de Another Green World, e que efectivamente chega à tal cidade prometida.
Antes de chegarem ao seu destino final, os Salto escolhem ficar em “Paz com as Falhas”, uma melosa penitência apropriada para o lusco-fusco. O destino é a Cidade Branca, uma festa que, eventualmente, “vai chegar”. É desta maneira que se faz o Passeio das Virtudes, um caminho sobrenatural. “O caminho não sou eu”, canta Guilherme Ribeiro. Será Jesus? Será o Rock ‘n Roll? Será o Universo? Não interessa. Há algo para além dos Salto, há o Passeio das Virtudes.