You Want it Darker é a crónica de uma morte anunciada. O disco, lançado a 21 de outubro, já augurava a morte do cantor de 82 anos. Já o tinha feito também David Bowie no início do ano quando lançou, no seu dia de anos, Blackstar. O disco precedeu a sua morte dois dias.
Mas se David Bowie nos inquietou, Cohen tranquilizou-nos com este testamento de um homem que viveu uma vida plena e está pronto para morrer. E cuidou de nos preparar também.
O décimo quarto e último álbum de estúdio de Leonardo Cohen foi produzido pelo seu filho, Adam Cohen, que afastou a sonoridade deste álbum do registo habitual de belíssimas canções embaladas pela guitarra e acompanhadas por coros femininos, introduzindo novos elementos como os violinos que acrescentam aos poemas absorventes um ritmo por vezes quase hipnotizante como em “Steer Your Way”, o oitavo tema do álbum e uma das melhores canções de um álbum esmagador.
O álbum abre com a canção que dá título ao mesmo, “You Want it Darker”, e está lançado o mote para momentos sombrios que só podiam ser cantados na voz gravíssima de um homem que já viveu tanto. Logo no primeiro tema percebemos que vamos entrar em territórios nunca dantes navegados.
“You Want it Darker”, abre-nos as portas da alma de um homem confrontado com a iminência da morte com um coro xamânico que canta em hebreu “Hineni Hineni” e que nos mostra um homem pronto para se entregar a Deus. E assim, logo na primeira canção, Cohen consegue desarmar-nos completamente quando nos deixa mais uma vez entrar na sua relação imperfeita com o divino, que até agora tinha sido sempre apresentada em contraste com o sensual e o profano. Em You Want it Darker chega-nos na voz cansada de um homem de 82 anos que faz contas à vida e que questiona as condições dessa relação.
“Treaty” é o exemplo perfeito da confissão de um devoto que duvida da sua crença (“I’m sorry for the ghost I made you be/ Only one of us was real and that was me”) e que gostaria de poder negociar os termos desse vínculo (“I wish there was a treaty/ I wish there was a treaty/ Between your love and mine.”). É com o refrão de “Treaty”, ao som de uma orquestra de cordas, que termina o álbum. O tom fúnebre da canção remete-nos para um Requiem escrito para si próprio.
Pelo meio encontramos canções como “On The Level” ou “Traveling Light” que nos soam mais familiares, como uma ponte para o passado que o moldou e que o trouxe até este ponto em que não lhe resta nada. As canções servem como reconciliação com a sonoridade que lhe é característica e são um ponto de fuga num álbum notoriamente sombrio.
O último álbum de Leonard Cohen traz-nos um artista diferente do que conhecemos. Ouvimos harmonias que não são as dele e letras completamente despojadas de sensualidade e isso desconcerta-nos. Não era o que estávamos à espera. Mas podíamos mesmo esperar ouvir a mesma pessoa quando esta se prepara para morrer? Queríamos mesmo mais um álbum de Cohen para a despedida?
Se fosse isso que nos tivesse dado, teríamos ficado, sem dúvida, muito bem servidos. Mas Cohen deu-nos muito mais. Deu-nos um testemunho honesto e desolador de alguém que insistiu em deixar-nos em testamento a herança mais preciosa que tinha para dar. E para isso chamou o seu filho, que teve um papel essencial na produção do álbum, e que teve a sensibilidade de tornar esta numa obra distinta, mas que nunca desrespeita a essência do mestre. Porque ainda que seja reconhecível a ruptura com o trabalho anterior, a obra de uma vida inteira (que começou já tarde, mas não é por isso menos extensa) está presente em todo este álbum.