Depois de muitos anos de silêncio, o yellow magic man está de regresso. Vem com mais de duas mãos cheias de belíssimos temas. Vem renovado e com vigor, mas também repleto de uma mágica melancolia que me enche o peito de contentamento.
Fomos todos apanhados de surpresa e aflição quando há alguns anos atrás se soube que Sakamoto lutava contra um cancro na garganta. A maldita doença voltava a atacar um dos grandes, um dos que sempre admirei. Depois de alguns tratamentos e de oito anos de prolongado silêncio, o milagre do regresso dá pelo nome de async, e chegou recentemente à minha vida. Veio para ficar. Já arranjei espaço para ele. Para já, ficará ao lado dos dois mais recentes discos de Brian Eno. Não sendo verdadeiras “almas gémeas”, assemelham-se os três nos seus trajes e modos. Como marca diferenciadora, o piano. Ninguém o trata tão bem como Ryuichi Sakamoto. É um dom que tem, sem dúvida. E ainda bem.
Aquilo que mais me impressiona em async é a capacidade que tem de contar histórias. Basta o piano e alguns sons acompanhantes para percebermos que é disso que se trata. Narrativas. Narrativas que se juntam para uma história maior. No entanto, nada se diz nos primeiros momentos do disco, nenhuma voz humana é chamada a intervir. Seria redundante e supérflua essa circunstância. Como acontece em quase todas as narrativas, elas estão ao serviço de quem as lê, ou melhor, no caso presente, de quem as ouve. Eu escutei-as prolongadamente, sem hesitações, tentando tirar delas o que os meus ouvidos me ditaram. Foi, como se percebe, uma fusão perfeita. Ryuichi Sakamoto continua a ser um digno contador de histórias. E ainda bem.
Depois, mais para o centro do álbum, junta-se a voz humana à voz dos instrumentos. A primeira a surgir é a de Paul Bowles. Entre o pouco que diz, o muito desta frase faz a diferença: “Because we don’t know when we will die, we get to think of life as an inexhaustible well,”. Várias outras em outras várias línguas vão surgindo. Algumas, sendo as mesmas, parecem distintas pelo perfume do francês, do espanhol, do italiano e de ainda outros aromas linguísticos. Mais tarde, alguns temas depois, a voz maior e absoluta de David Sylvian, o bom e velho amigo de longa data. Diz o poema “And This I Dreamt, And This I Dream”, de Arseny Tarkowsky. É mais uma história bonita, comovente, frágil, que soa bem.
Uma última nota para entendermos melhor este async. O trabalho foi concebido para ser a banda sonora de um filme de Andrei Tarkovsky que nunca existiu. O imaginário do mestre russo sente-se em muitas das quinze composições do álbum, o que torna todos os enredos sonoros próximos e concordantes. Uníssonos e irmãos. Aconchegantes. Assim saibamos todos valorizar estas páginas sonoras. Assim consigamos ouvir o que elas nos tentam comunicar: a beleza da vida no precipício da morte.