“22:55h – As forças revolucionárias ocupam a emissora estatal: está a preparar-se o golpe de estado.
23:15h – Cortando a tranquilidade aparente da noite, os rádios de todo o país começam a difundir o sinal de que estava na altura de começar a mudar: Ouve-se “Eu vi o Sol”.
23:30h – Chegou o futuro ao nosso país: movidas pela força, intensidade daquilo que se ouviu, a população, até à altura, domesticada, acordou e mudou a forma dos dias, dos comportamentos. Nada ia voltar a ser o mesmo. Agora havia liberdade, amor e esperança… esperança que tudo correrá bem, esperança que nos respondam aos “porquês”… esperança, só esperança… Tudo isto despoletado pela música de António Costa e Bernardo Barbosa.”
Este teria sido o 25 de Abril se os bracarenses Ermo existissem em 1974. Este seria o efeito de Vem Por Aqui, o primeiro LP da banda, se não tivesse sido apenas lançado há um mês. Esta é a essência desta dupla.
É pela chancela Optimus Discos que estes dois jovens editam o álbum que estamos a falar, o seu primeiro depois de um EP, bastante bem conseguido, que veio à tona em 2012. O grupo, que prepara uma modesta tournée pela europa ,depois de um valente concerto de apresentação no Musicbox, não é o pão nosso de cada dia, muito pelo contrário.
Através de uma mistura rica entre o futuro (eletrónica magistralmente esgrimida) e o passado ( a voz de António lembra o cantar gregoriano pela sua força e entoação quase mística) chegamos àquilo que de mais revolucionário chegou a Portugal depois da Revolta dos Cravos. Os Ermo apresentam-se como a pontinha da vanguarda musical portuguesa, não tendo medo em ir além do seguro e easy listening, para nos refrescar a cabeça com ideias libertárias, reivindicativas, que tanta falta nos fazem… especialmente hoje em dia. Se o Zeca Afonso fosse vivo e adepto da eletrónica, com certeza que estaríamos agora a falar de um trio e não uma dupla.
Das oito faixas do álbum nascem uma série de sensações diferentes, quase sempre, mas coesas e concordantes: nunca saltar entre o amor dos pais, a revolta face a um país amorfo e o desejo de mudar, soou tão bem. O primeiro destaque vai para “Correspondência”, o primeiro single a ser revelado que se caracteriza por uma leveza encantadora que nos canta, numa bonita metáfora, exatamente aquilo que corresponder não é. A combinação entre um coro de “oh oh ohhhh’s”, pautado por uma forte linha de baixo, e uns fugazes tilintares são dignos de um fim de tarde solarengo e melancólico.
Mudamos para Primavera, outro grande exemplo da emoção que as palavras de Costa carregam ao som da música do Bernardo. O sentir quente que existe entre pais e filho é embalado pela saltitante toada do instrumental… sempre simples… sempre rico. “Eu vi o sol”, cheia de batidas quase tribais e coros que vociferam com ferocidade é mais outra das faixas que mais arrepios faz. Finalmente, temos “Pangloss”… a joia da coroa deste trabalho. É difícil recordar a última vez que a música portuguesa ouviu tanta emoção, tanta força numa simples música de cinco minutos. Em estado puro, congelado e tão sólido quanto a parede que segura o teto que me cobre agora, o sentir, corre sem dúvida nas veias dos Ermo.
E assim, por entre a neblina, o D. Sebastião chega sobre a forma de dois rapazes que sabem bem o que fazem e fazem bem o que sabem. Trazem mudança na voz e irreverência nas melodias. Recebamo-los como aquilo que somos: alguém que precisa de uma mudança antes que não haja revolta que nos salve.