Depois de um ano, a espera finalmente terminou: o Vodafone Paredes de Coura está de volta! Aquele que é o festival mais bonito do país e que, este ano, tem um dos melhores (senão mesmo, o melhor) alinhamentos da época festivaleira teve então início na tarde de ontem, num primeiro dia com alguns nomes muito fortes e em formato mais relaxado, com apenas cinco bandas a atuar desde o final do dia até à madrugada.
A festa começou por volta das 19h, quando os luso-americanos Gala Drop começaram a encher o ar da vila de Paredes de Coura com a sua salada de sons incrível, onde coexistem alegremente ritmos da mãe-África ou do Brasil, teclados com um toque psicadélico-tropical e até riffs que podiam pertencer a uma qualquer banda do Reverence. Nesta mistura tão saudável de sabores, juntam-se sonoridades de Corfu e da Alemanha do pós-guerra, sem vergonha, como se de um casamento proibido se tratasse. Mas ainda bem que eles o fazem; o charme criado por esta mescla de sons é tão inegável que todos, mesmo os mais apáticos, não conseguem resistir a dar um passo de dança na relva. A juntar a isto, tivemos direito a um concerto diferente do costume. Sem ser tão focado nos álbuns, houve lugar para instrumentais de largos minutos, que transportaram quem se deixou embrenhar neles para algum outro sítio no espaço sideral. Numa entrega total à música e ao público, os Gala Drop continuam a provar-se uma banda extremamente competente em palco e uma das melhores ao vivo, a nível nacional.
Depois, pela hora de jantar, era tempo dos Ceremony atuarem. Com um pós-punk a roubar muito aos Joy Division e aos New Order, este foi um concerto que passou pelo ar do início da noite sem deixar uma marca muito forte. Fosse pela hora ou pela música a soar igual a muita outra coisa, os americanos não conseguiram excitar muito o público do festival (por várias vezes o cantor pediu para toda a gente se mexer, sem grande sucesso no entanto), embora num momento de maior energia se tenha gerado um pequeno mosh pit.
Já de noite, entrou em palco o duo Blood Red Shoes de Laura-Mary Carter e Steven Ansell, na guitarra e bateria, respetivamente. Num formato que já conhecemos de outras andanças (The White Stripes, Japandroids, …), os ingleses apresentaram um concerto muito competente e energético ao qual o público respondeu muito bem, tendo Steven afirmado muito contente “It’s fucking good to be back!”

Foi com “Deep Blue Day” de Brian Eno e sob uma enorme salva de palmas que os britânicos Slowdive entraram em palco. Ninguém, nem mesmo os que no ano passado assistiram ao seu concerto no NOS Primavera Sound, estava preparado para o que aí vinha. Então, a quebrar o ambiente criado pela música, soltaram-se das cordas de Neil Halstead aqueles acordes iniciais tão reconhecíveis de “Slowdive”, primeira música do primeiro lançamento da banda. Na uma hora e dez que se seguiu, magia aconteceu. Tempestades sónicas de arrepiar a espinha e fazer a cabeça andar à roda (“Souvlaki Space Station”, “She Calls” e “When the Sun Hits”), momentos em que tudo parece feito de água, leve e livre, e flui como num sonho (“Avalyn”, “Catch the Breeze” e “Machine Gun”), canções de amor de fazer despedaçar qualquer coração (“Alison” e “Dagger”) e até uma versão de uma música de Syd Barrett, “Golden Hair”. Houve de tudo neste concerto, em que a dimensão em que vivemos desapareceu e fomos todos transportados, guiados pelas doces melodias da belíssima voz de Rachel Goswell, para um outro lugar do universo, onde toda a matéria não é feita de mais nada senão as ondas de som etéreas que ao longo do concerto ecoaram e reverberam pela Praia Fluvial do Taboão. Além de se mostrarem ainda melhores em palco que há um ano atrás e da promessa de um retorno próximo, ficou nas entrelinhas uma afirmação: quem acha que fazer este tipo de música é fácil e que quem a toca não é um músico assim tão bom precisa mesmo de estudar muito. É que não é qualquer um que toca assim; quer sejam as guitarras de Neil, Rachel ou Christian Savill, o baixo de Nick Chaplin ou a bateria de Simon Scott, tudo aqui é tocado com imenso respeito ao instrumento, com muita proficiência e entrega ao público. A diferença é que os verdadeiramente bons, como os Slowdive, não precisam de se gabar disso. Precisamos de mais artistas assim. Aprendam com estes senhores, crianças.
Estavamos na primeira hora do dia 20. Saltava o público num júbilo permanente. Eram os TV On The Radio a dar um concerto cheio de nervo, o pó levantado pelos festivaleiros metáfora tão apta e apropriada para descrever o seu som: moldável, agitado, rodopiante, envolvente, sufocante. Grupo de virtuosos, estes senhores: assuas canções passam por várias metamorfoses, que vão do funk/dance-punk desinibido (“Dancing Choose”) à soul gingona (“Golden Age”) até ao rap cerebral e poético (“DLZ”) para um rock cru e visceral, pois entendem que as subtilezas deliciosas dos seus álbuns de estúdio (verdadeiras pérolas, não se deixe de apontar) não vão converter ninguém. Noite de festa, com tochas a arder, uma batida forte e uma questão: quem suara mais? Dos experimentalismos da sua entrada com “Young Liars” aos gritos fanáticos aquando de “Wolf Like Me”, pela penúltima canção (“Staring at the Sun”, Tunde Adebimpe numa entrega total) os TV On The Radio já tinham a resposta: Coura suou mais, e anda a chorar por tal também.
Para os resistentes que ainda queriam dançar mais depois do concerto dos nova iorquinos, houve electrónica, pela mão de DJ Fra, até às altas horas da madrugada.
Um dia termina, o outro começa. O dia 20, no qual o palco Vodafone FM abre oficialmente, será cheíssimo de concertos, que esperamos que sejam ótimos. Até já!
Textos: Luís Marujo e Guilherme Portugal || Fotos gentilmente cedidas por Hugo Lima