A notável selecção soviética de hóquei no gelo do final dos anos 70, com formidáveis lendas do hóquei como Alexander Maltasev, Sergei Makarov e Valeri Kharlamov, ganhou tudo o que havia para conquistar: todos os torneios europeus e quase todos os torneios olímpicos e campeonatos do mundo. Esta formação era respeitada e temida por todo o mundo, especialmente pela sua velocidade e imprevisibilidade. A velocidade daquela selecção deveu-se, de acordo com muitos especialista, devido a um extenuante exercício que melhorava substancialmente a velocidade: o Russian Circle – deslizar à volta dos quatro círculos que marcam os cantos do estádio. Sei que posso irritar muitos por alguma ignorância na gíria hoquista, por alguma imprecisão ou por alguma simplificação, mas é um mal necessário: foi 1 hora e 30 minutos de concerto atordoados por um blitzkrieg de sonoro.
Não interessa se já não editam um disco desde 2013. Esta foi a sexta visita do trio americano a Lisboa e esse foi um dos motivos que levou o RCA Club a ficar esgotado: o público sabia para o que vinha. Antes de ser possível entrar, já uma fila enorme esperava a sua permissão. Uma permissão que não dava direito à compra de um bilhete: “ESGOTADO / SOLD OUT”, lia-se à porta do RCA Club. Uns, já com bilhete, ficaram na fila, outros exibiam cartazes que pediam bilhetes. Fosse qual fosse o tipo de desespero, aquela parcela de Alvalade tingia-se de negro.
A previsibilidade do concerto não lhe retira intensidade. A contraluz constante e a névoa, apesar de serem inimigo dos fotógrafos, eram uma autênticas manifestações físicas das canções. Aquela uma hora e meia deu para saltitar em todos os discos longa-duração dos Russian Circles, numa setlist já testada e tocada há muito. Entrar com “Déficite”, após uma “Memoriam” a impor a postura da viagem, foi o que bastou para marcar um concerto de poucas palavras e muita sinestesia. A falta do mosh foi substituída pelos headbangs sincronizados, especialmente na celebrada “Harper Lewis” e na caótica “Geneva”. Os díficeis tempos e contratempos controlados pelo magnífico Dave Turncratz e o ambiente desenhado pelas cordas do baixo de Brian Cook e da guitarra loop de Mike Sullivan conseguiam emular aquilo que parece ser o trabalho de uma orquestra de dezenas de músicos. Não faltaram palmas nas quebras e nos crescendos, como em “Station”, um dos pontos altos da noite, que arrepiou e, para quem passasse os olhos no público, encontrava pelo menos uma pessoa com lágrimas nos olhos.
Após a “Death Rides a Horse”, do primeiro disco Enter (2006), o previsível encore clamou por uma célebre “Youngblood”, que foi sentida por uns pequenos encostões de bravas danças dos membros superiores. Sala cheia para uns Russian Circles cheios, a cumprirem mais uma vez a expectativa que é “ir a um concerto de Russian Circles”.
Antes de concluir o texto, uma breve mas orgulhosa nota para a banda de abertura, os Helms Alee. Trio de Seattle, duas meninas, no baixo e bateria, respectivamente, e um matulão na guitarra. De vista, apenas o matulão assusta, mas bastaram as primeiras baquetadas do tema “Pleasure” para a charmosa e carismática baterista assolar a sala e se tornar num monstro. O post-metal dos Helms Alee, com sujidade sludge e stoner mas com uma esquizofrenia melódica, entusiasmou quem não conhecia e encantou quem já apreciava. Apesar de terem tocado maioritariamente temas do novo disco, Sleepwalking Sailors, foi com um trio de canções mais antigas que fecharam o concerto que o público estremeceu e que os primeiros sinais de vida começaram a ser dados: “Pretty as Pie”, “Borrowed Wind” e “Paraphrase”.