Pujança e competência é coisa que nunca falta aos Russian Circles. Agora com mais peso e tonalidades negras, cumpriram a profecia de mais um serviço exemplar num Lisboa ao Vivo quase cheio.
A ausência de palavras é uma constante tanto nas canções como nos concertos de Russian Circles. A apresentação faz-se com o estourar da bateria, sem que se lhe neguem outras formas de comunicação mais sensoriais, transmitidas através da comunhão musical. E é curioso que, numa identidade bem cimentada, em dezoito anos de existência ainda haja espaço para uma maior inclusão. Talvez porque essa identidade não esteja presa a um género e porque, enquanto banda, almejem uma evolução que passe pela libertação das etiquetas. Mas, a bem dizer, é inevitável constatar que dentro dessas esperadas mutações se explorem outros caminhos; e, nos últimos dois álbuns, a sonoridade mais próxima do (post) metal tem-se feito notar com mais expressão. Dentro da multiplicidade de facetas da expressão musical daquilo que não querem apelidar de post-rock, cabem outras sub-identidades organizadas em alinhamentos. E no caso do concerto no novo espaço do Lisboa ao Vivo – sempre a convite da Amplificasom – o tom era negro e pesado, mais etéreo, mas menos fulminante.
Do último álbum, Blood Year, editado em 2019 e ainda não apresentado em Portugal, “Arluck” introduziu a ambiência de uma setlist carregada de guitarras tristes e profundas, sempre acompanhadas de uma secção rítmica incansável. Num concerto curto no número de canções, mas longo em cada uma das suas durações, o enfoque foi dado ao mais recente trabalho, mas também ao penúltimo Guidance, deixando cair algumas pérolas de outros discos mais antigos. Mas não conseguiram esquecer Station, esse marco inabalável de 2008 de onde continuam a trazer as inesgotáveis fontes de garra “Harper Lewis” e, claro, “Youngblood”, que já há alguns anos guardam estrategicamente para o final.
A abundância de universos que compõem o espectro de Russian Circles podem não pertencer a todos ao mesmo tempo, mas, em quase duas décadas de música, há espaço para se criarem pequenos submundos que coexistem entre eles, assim, dentro de salas quentes e sedentas, com apegos distintos unidos por um mesmo amor.
Fotografia: Francisco Fidalgo