
Depois da chuva, vem o Primavera.
O dia zero foi consideravelmente pacato, em grande parte pela falta de mobilidade que as chuvas torrenciais provocaram. Sky Ferreira e Har Mar Superstar foram concertos que valeram a pena, mas ainda não tinha acontecido a magia, à falta de palavra melhor, que mencionei no artigo anterior. Coisas em que o Primavera Sound é prolífero, provavelmente porque, a nível mundial, reúne certos nichos, que se concentram no mesmo recinto, a partilhar o mesmo espírito, no espaço de dias, cheios de concertos excelentes, e outras experiências paralelas – muitas vezes, de seguida.
Eu e os meus amigos começámos o dia com uma excelente refeição num local habitual, de todos os anos. E, no espaço de uma hora, antes mesmo dos concertos começarem, já tínhamos falado com a Sky Ferreira, Zachary Cole Smith dos DIIV, Cameron Mesirow de Glasser, e Nick Allbrook e Joe Ryan de Pond – estes últimos, em entrevista que iremos publicar em breve. Posso adiantar que correu bem, como todas as entrevistas que acabam com abraços. Mais tarde, outras oportunidades de confraternizar surgiram com Har Mar Superstar e PAUS. Dificilmente isto aconteceria noutro sítio qualquer do mundo.
Real Estate (palco Heineken): Vi Real Estate no Primavera Sound em 2012 e foi um grande concerto, com tudo no sítio certo. Desta vez, focaram-se principalmente no álbum Atlas, já de 2014, que não foi motivo de alvoroço nesta tarde de Maio. Foi apenas com “It’s Real” que as emoções se sentiram. Real Estate são uma boa banda, tanto em disco como ao vivo, e a reacção do público não é um medidor fiável de qualidade – mas terão sido prejudicados por actuar demasiado cedo no palco principal do recinto, não obstante o muito público presente.
Glasser (palco Pitchfork): Sou um admirador da Cameron Mesirow e, por isso, é sempre um prazer vê-la, em palco ou fora dele. Glasser actuou apenas com um acompanhante, numa modalidade mais de electrónica pura. Recomendo, caso seja possível a escolha, os concertos de Glasser em banda, com instrumentos tocados em tempo real, nem que seja só percussão. Fui a tempo de apanhar o final do alinhamento, tendo ainda ouvido as excepcionais “Mirrorage” e “Divide”.
Pond (palco Pitchfork): Os australianos são muito fortes ao vivo e terão beneficiado da experiência adquirida com os muitos concertos de Tame Impala, com quem partilham a maior parte da formação. Tocaram canções novas, outras mais antigas, como “Corridors of Blissterday” e “You Broke My Cool”, e do álbum de 2013, Hobo Rocket: “Whatever Happened to the Million Head Collide” (início do concerto), “Giant Tortoise” e “Midnight Mass” (a finalizar). Um concerto excepcional. Fique atento à entrevista com Nick e Jay, em breve aqui no Altamont e num YouTube perto de si.
Warpaint (palco Heineken): Tive oportunidade de ver alguns minutos de Warpaint, que me pareceram mais interessantes ao vivo do que em disco, conforme uma dica que me foi dada umas horas antes.
St. Vincent (palco Sony): A surpresa da noite. Não sou profundo conhecedor dos trabalhos de Annie Clarke. Sucintamente, descobri que é uma ninja de tudo. Sofisticada, artística, dramática, escura, progressiva. St. Vincent tem, actualmente, um espectáculo que não se pode perder. Tem a melhor abordagem à guitarra que vi nos últimos anos, desde a técnica aos sons utilizados – a fazer lembrar um Adrian Belew. Acordes complexos e pouco comuns fora do jazz e da música clássica. A secção rítmica tem muito de Peter Gabriel dos anos 80 à actualidade – poderosa, enigmática, profundamente escura. Em termos cénicos, é divertido ver Annie Clark em coreografias robóticas com o resto do grupo. Vou a correr ouvir os discos, que St. Vincent têm um novo admirador. Soberbo.
Queens of the Stone Age (palco Heineken): Concerto incrível que, mesmo assim, creio que foi ligeiramente inferior ao do ano passado, no Super Bock Super Rock. Talvez pelo público português ter sido massificadamente emotivo, ou pelo concerto ser acompanhado por gráficos impressionantes, coisa que não aconteceu no Primavera. O alinhamento incluiu também mais canções do disco mais recente, face ao concerto que referi. Mas, na verdade, estamos a comparar concertos extremamente parecidos – todos vão ser incríveis. Os QOTSA são, muito provavelmente, a melhor das grandes bandas de rock desta década, senão já da anterior. Faça um favor a si mesmo e veja um concerto de Queens of the Stone Age.
Arcade Fire (palco Sony): Um concerto de duas horas, com Arcade Fire para todos os gostos. Apenas consigo apreciar os trabalhos depois de The Suburbs e o actual Reflektor, do qual houve muitas canções tocadas. Não sou um fã dos clássicos, nem nunca fui. Por isso, o facto de estar a elogiar este espectáculo é um testamento de qualidade. O concerto teve um momento bizarro, com vários “cabeçudos” a entrar em palco e a cantar uma canção sobre tequila, incluindo um Papa Francisco que caiu no chão. Foi isto que aconteceu. O final deu-se com a inevitável “Wake Up”, que aumentou a fanfarra constante desde o primeiro minuto.
Metronomy (palco Ray-Ban): Já de regresso a casa, foi possível apenas ver que, para um concerto às 3 e meia da manhã, estava muito, muito cheio.
Como é inevitável, houve concertos que queria ver e não consegui. Tive pena de perder os excelentes The Ex e Future Islands, ou os históricos Chrome. Ou Charles Bradley e Neutral Milk Hotel. Sem esquecer Shellac, que são um bastião do Primavera Sound, por mais que dêem sempre o mesmo concerto, o mesmo incrível concerto.
Concluindo, é com muitíssimo agrado e uma imensa satisfação que tivemos o Primavera a ser o Primavera. Experiências inesquecíveis, concertos fabulosos. O dia de amanhã, tal como aconteceu com o de hoje, também promete.
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(fotos cedidas por Dani Canto, Eric Pamies e Xarlene)