
No Real Madrid, é costume dizer-se que é Cristiano Ronaldo e mais 10. Ele, o nosso bombardeiro português, é a estrela maior de uma das maiores instituições da bola: em seu torno os outros jogam, para si os companheiros passam, em torno dos seus números e mística o fenómeno cresce, e o mito fundamenta-se. Na música também há exemplos destes.
Os Placebo voltaram nestes dias a Portugal, país que sempre os tratou bem e que também não tem razões particulares de queixa, até pela generosa quantidade de concertos desta boa rapaziada que já por cá tivemos. E os Placebo são, sempre foram, Brian Molko, voz, guitarra, carisma maior e voz de parte de uma geração, e os restantes. Stefan Olsdal, o baixista / guitarrista, funciona para Molko como Benzema para Ronaldo: compreende-o como ninguém, sabe quando o foco está no vocalista, mas não enjeita também momentos de destaque e maior protagonismo.
Analogias futebolísticas à parte, qual era a expectativa de ver um concerto dos Placebo em 2014? Para este que vos escreve, não era particularmente elevada. A estreia em concertos dos Placebo deu-se para mim em 2001, no mesmo Coliseu dos Recreios que na terça-feira recebeu o grupo. Foi uma epifania, há 13 anos: promovia-se Black Market Music, terceiro álbum, mas o alinhamento passou pelos grandes momentos de Placebo e Without You I’m Nothing, tudo com grande pujança, entrega, suor, oscilando entre momentos mais ferozes e outros intimistas. Depois disso foram vários os concertos e diversos os álbuns a ser promovidos. Saltamos diretamente para a noite de terça-feira.
Loud Like Love é o sétimo disco de originais dos Placebo e foi editado em final de 2013. Não é um disco brilhante, mas aqui e ali recupera o que traz a maioria dos fãs aos Placebo: androginia, letras sobre o amor, desejo e sexo, tudo apoiado em rock, guitarras e piano e, lá está, Brian Molko e a sua única (não incontestada) voz.
Sabia-se de antemão que o alinhamento iria focar-se nos quatro discos do segundo período dos Placebo, aquele que arranca com Sleeping With Ghosts, de 2003. Confirmou-se: prévias a esse disco foram tocadas apenas «Every You Every Me» e «Special K», momentos celebrados como poucos, está bem de ver. Contudo, e aqui reside a surpresa maior, distantes de serem espaços exclusivos de festa e entusiasmo. A verdade é esta: os Placebo de 2014 continuam uma banda fortíssima ao vivo, diretos, carismáticos, com perfeita noção de espetáculo e, surpresa maior, com uma base de fãs ainda muito fiel e entusiasmada.
O Coliseu da capital esgotou, tal como havia sido sucedido na véspera no Porto. No público, alguns eram fiéis da primeira hora, mas boa parte era malta interessada nos últimos trabalhos de Brian Molko, Stefan Olsdal e do baterista Steve Forrest, que substituiu Steve Hewitt em 2008. Entusiasmo do primeiro ao último segundo do lado do público, entrega total e uma banda a saber fazer a coisa em cima do palco. Uma noite perfeita.
Brian Molko é e será sempre o motor desta máquina. Não fala muito com a plateia, mas mantém um carisma que poucos vocalistas carregam. O alinhamento é discutível, e quase todas as canções dos últimos anos seriam facilmente trocadas por clássicos de outrora – saudades de «Pure Morning», «Nancy Boy», «36 Degrees», «Come Home», «Scared of Girls» e tantas, tantas outras. Mas estava ali Molko, e o ícone da nossa juventude está mais velho, certo, mas ainda mexe e carbura. Nós crescemos com ele, temos vindo a crescer através dele e das suas letras (a morte e a dor continuam e adensam-se na escrita recente dos Placebo), e por aqui continuaremos. Grande noite em que voltámos onde fomos tremendamente felizes e insuportavelmente miseráveis.
Alinhamento:
B3
For What It’s Worth
Loud Like Love
Every You Every Me
Scene of the Crime
A Million Little Pieces
Twenty Years
Too Many Friends
Rob the Bank
One of a Kind
Exit Wounds
Meds
Song to Say Goodbye
Special K
The Bitter End
Encore
Begin the End
Running Up That Hill (A Deal with God) (Kate Bush cover)
Post Blue
Infra-red
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Fotos: Francisco Fidalgo