Capicua. É ela a merecedora da primeira palavra acerca do segundo dia do NOS Alive. A rainha do hip-hop português não deixou que um pé aleijado condicionasse o seu imensamente aguardado concerto. O palco NOS Clubbing não foi suficiente para aguentar a quantidade de gente que gritava por Ana Matos Fernandes, que era duas vezes o que a tenda aguentava. Ao entrar em palco, uma ovação enorme que a deixou estarrecida em palco, começando de seguida começado a recitar os primeiros versos de “Mão Pesada”, após cumprimentar o público. O concerto continuou sempre em altas, com um dos públicos mais gritantes do festival, que gritava a plenos pulmões as letras de Capicua e Sereia Louca. Depois de um ano imparável para a rapper, foi bom ver que Capicua não perdeu nem a energia nem o público. Da intervenção de “Medo do Medo” à nostalgia feliz de “Vayorken”, o concerto manteve sempre a escala lá no alto, tornando-se um dos mais memoráveis do festival – ajudado pela presença de Valete em palco para a interpretação de “Medusa”.
O concerto que interessava ver a seguir era o dos The Ting Tings. Os one-hit wonders de “That’s Not My Name” vieram a Portugal na sequência de Super Critical, lançado no ano passado, um disco ainda mais funky que os trabalhos anteriores do duo inglês. E foi precisamente nessa onda que se desenrolou o espectáculo da banda, com Katie White sempre aos saltos, agarrada à guitarra e cantando os hits da capicua (11 anos) que a banda celebra este ano.
Pouco tempo depois, o cenário para o melhor concerto do dia já se preparava no palco NOS Clubbing. Falamos da actuação de Batida, essa força da natureza saída do imaginário de Pedro Coquenão e manifestada pelos ritmos, notas, danças, apitos e tudo o que esteja à mão. Ao vivo, as canções ganham uma outra dimensão, em conjunto com o público e o espectáculo multi-facetado orquestrado pelo músico luso-angolano. Uma dimensão sinérgica provocada pelo contágio do semba, do kuduro e da componente interventiva presente nas projecções e diálogos de Coquenão. As mais conhecidas “Alegria”, “Bazuka (Quem Me Rusgou?)”, entre outras canções igualmente delirantes, encheram de felicidade e plenitude uma plateia incansável e louca pelos ritmos africanos de Batida.
À mesma hora que Batida, o palco Heineken recebia os Future Islands. A banda vive, em grande parte, da chama do vocalista Samuel T. Herring, incansável dançarino e igualmente bom cantor. Com casa cheia (provavelmente 10 vezes mais público do que no Musicbox, onde tocaram no ano passado), os Future Islands deram um concerto morno. Os momentos altos vieram com os hits incontornáveis como “Seasons (Waiting on You)”, “Spirit” ou “Balance”. O restante cancioneiro do grupo acaba ficar a alguma distância, com uma série de músicas demasiado parecidas umas com as outras, pelo que o concerto raras vezes chegou a passar do relativamente quente. Talvez numa sala fechada, concerto em nome próprio, a coisa funcione melhor.
Não foi preciso sair deste palco, porque daí a instantes viria James Blake. O jovem britânico tem uma legião de fãs, é certo. Mas a música dele não é para toda a gente. À 1h da manhã, aqueles teclados graves, repetitivos, quase drone, com a voz minimalista de Blake, não entram facilmente, principalmente se não se estiver no espírito. Ele até tem talento, mas curiosamente um dos momentos em que o público mais vibrou foi quando tocou uma versão (“Limit To Your Love”, de Feist). Tal como os Future Islands, concerto para outro sítio.
Concerto para outro sítio também porque os Prodigy ao fundo a transformar o NOS Alive numa rave inglesa dos anos 90 não ajudaram. E, tal como Blake, ou se estava no espírito ou não se estava. E, tal como Future Islands, raras vezes o concerto teve momentos maiores. Ainda que os clássicos instantâneos “Firestarter”, “Smack My Bitch Up”, entre outros, não faltassem e soltassem completamente um público sedento de batidas agressivas e demolidoras, o som dos Prodigy cansa e é demasiado datado e já pouco relevante. Regressámos ao palco Heineken, para ouvir um pouco de música.
Talento é coisa que transborda de Róisín Murphy. A eterna vocalista dos Moloko é uma Diva, mulher de uma sensualidade invulgar, uma voz encantadora. E é uma performer de excepção, uma verdadeira mulher do espectáculo, e cada concerto não é só um concerto, é também um desfile de alta costura (ela troca de vestes a cada canção). Neste regresso a Portugal, Roisin trouxe já o novo disco Hairless Toys, editado há pouco tempo, um disco mais introspectivo que os anteriores. E isso passou um bocado para o concerto, a espaços com alguns temas mais electro-funk, mas no geral com um tom electrónico lento (também aqui é caso para desejar ver numa sala fechada em nome próprio, e não em festival perto das 3h da manhã). Mesmo assim, foi dos melhores concertos de um dia muito mortiço. A nossa Diva sabe fazer-se acompanhar e tinha uma banda de 5 músicos do mais fino calibre.
Texto: Francisco Marujo e Duarte Pinto Coelho
Fotos: Sofia Mascate