Raiva, muita raiva. Se punk é subversão e rebeldia, então o punk não morreu – e Elias Bender Rønnenfelt provou na Zé dos Bois o quão vivo está. Em pleno domingo de Óscares, 28 de fevereiro, Elias encheu aquela sala no bairro alto para, olhos nos olhos, nos intimidar, sem nos dirigir uma palavra. E não precisava: a atitude whiskey punk do música dinamarquês dizia tudo. Mandava-nos para um sítio mau, tal como os seus instrumentistas que, apenas desafinando nos coros, tocavam melodias viscerais e desconcertantes. The World is Not Enough (2015), reza o disco de estreia dos Marching Church. E, ali na ZDB, era o momento para se esmurrar a vida. Foi há uma semana, mas ainda se sente à flor da pele.
A ira implodia, a derrocada era introspetiva. Durante quase uma hora, Elias balançava violentamente, virando e revirando os olhos, segurando o seu cigarro e berrando melancolicamente, num pacote que misturava a epilepsia de um Ian Curtis, a bebedeira de um Doherty e, por fim, a melancolia quase juvenil de um jovem Anakin Skywalker (episódio III, já no lado negro). É uma faceta do frontman dos Iceage já conhecida, especialmente por este infame vídeo da sua juventude. Mais complexa e menos crua que Iceage, a sonoridade praticada pelos Marching Church põe na mesma panela um baixo direto e repetitivo, à boa moda do post punk dos The Sound, com violino e guitarras dissonantes e atmosféricas. Em passo de marcha desde a primeira canção, “Calling Out a Name”, a bateria fazia o trabalho de guiar os instrumentos até ao, tão esperado, clímax. Até porque os Marching Church vivem, acima de tudo, dos seus crescendos.
Mas o concerto em Lisboa foi especial – porque o melhor do concerto dos Marching Church não foram os próprios. “Sax solo!”, gritava o público. “I want a sax solo too, but it’s time to shut up”, respondia Elias. Foi o incansável Pedro Sousa, saxofonista dos Maranha Boys, trio responsável pela abertura, que impressionou Elias e acabou por tocar com eles. Mas não se ficou por ali: os Marching Church quiseram ficar com Sousa até ao final da digressão.
Por fim, já que falámos em Pedro Sousa, um aplauso para os Maranha Boys que, praticando um jazz avant garde indecifrável e frenético, congelaram a ZDB durante 30 minutos. Uma viagem de intensidades lideradas pelas teclas de David Maranha e executadas pelo talento suado do baterista Gabriel Ferrandini que, sem mexer quase nada os braços, caminha em direção à mestria de Buddy Rich.
A noite estaria terminada um pouco depois da meia-noite, após “Up a Hill”. Pedro Sousa, tal como Elias prometera ao público, ficou sozinho em palco para um solo de saxofone de furar os tímpanos. Queremos mais. Venha mais um solo, por favor. Afinal, o punk não morreu – e agora também vive em instrumentos de sopro.
Fotos gentilmente cedidas por Vera Marmelo.