
Declaração prévia de interesses: sempre fui mais da MPB, da bossa-nova, do jazz, da pop e do rock. O funk e a soul, sobretudo durante um largo período da minha existência, eram coisas tão residuais, que pouco ou nenhum fascínio me causavam. O mesmo se passava com os sons da Motown, por exemplo, pelo que fazer a reportagem do concerto de Lionel Richie não era um acontecimento que me deixasse com água na boca. Agora, já em casa e com este espaço em branco da página word por preencher à minha frente, posso reiterar tudo o que acima redigi. No entanto, a idade foi atenuando algumas das firmes convicções do passado, e posso dizer-vos que o concerto foi bastante simpático, muito bem construído, e o meu trabalho resultou em algo bastante prazeroso. Na verdade, eu sabia que teria à minha frente um artista com uma enorme carreira digna de respeito, um monstro sagrado da soul, e isso deu-me uma certa margem de conforto e de garantia em relação ao que iria assistir…
Depois de uma primeira parte menos conseguida pelos Cais Sodré Funk Connection (pouco interessa ter ritmo ou fazer apelos consecutivos à dança, quando faltam boas canções), e um pouco atrasado em relação à hora prevista, Lionel Richie e a sua banda entraram em palco dispostos à festa. Uns segundos antes dos acordes iniciais do primeiro tema, ouviu-se uma voz dizendo “hello, is it me you’re looking for?”, e foi quanto bastou para uma primeira manifestação de regozijo. Sim, era mesmo Lionel Richie que toda a gente queria ver e ouvir. A noite, mesmo salpicada por umas pontinhas de chuva, foi para amar! Para isso contribuíram alguns clássicos como “Easy”, “Say You, Say Me”, “Lady” ou “Stuck On You”, cantados maioritariamente por parte do público feminino. Era ver a suas caras sonhadoras, de olhos fechados e braços no ar…
Mas a noite de ontem também foi para dançar. Os exemplos mais significativos disso mesmo surgiram com “Dancing On The Celling” (uma das canções mais idiotas dos anos 80, na minha modesta opinião, mesmo assim capaz de arrancar do mundo dos mortos, o ser mais renitente em de lá querer sair), mas sobretudo com o clássico “All Night Long”, canção de que sempre gostei, mesmo nos tais tempos de grande intransigência da minha parte, que há pouco referi. “All Night Long” é uma canção que o tempo soube tratar muito bem, o que reforça a ideia de um clássico maior do que outros que fomos ouvindo durante a noite.
No entanto, a noite quente e húmida de ontem também foi para festejar. Apesar de alguns assobios ouvidos no final do espetáculo devido ao abrupto fim que teve, para trás ficaram longos momentos de autêntica festa, momentos de sentida celebração. Para isso contribuiu, como seria de esperar, a simpatia de Lionel Richie, quando viu, por exemplo, uma Diana Ross em cada mulher presente no Estádio Municipal de Oeiras, ou quando, ao beber um largo copo de vinho, disse, após o último trago, que não poderia beber mais, pois “if I drink too much I might become Stevie Wonder.”
Pouco mais de hora e meia depois de ter iniciado o show, Lionel Richie despediu-se do público presente, voltando logo a seguir para um único encore de apenas uma canção. Sim, isso soube a pouco (daí os tais assobios finais), mas o tema escolhido para fechar definitivamente o espetáculo derradeiro da sua tour europeia, foi a inesperada “We Are The World”, canção humanitária composta por Lionel Richie e Michael Jackson, nome lembrado pelo artista em palco. Não deverá ter havido uma única voz que não tivesse cantado “we are the world / we are the children / we are the ones who make a brighter day / so let’s start giving”. O estranho foi que, finda a mítica canção do projeto USA For Africa, Lionel Richie não tivesse dado um pouco mais a todos aqueles que ficaram em delírio durante a execução do conhecido tema. Lionel não quis mais prosseguir o show, embora fosse esse o desejo do público. Mas também, pensem lá comigo, geralmente não é sempre isso que acontece no final de um bom concerto?
Fotos gentilmente cedidas por Miguel Quesada