
“Boa viagem! Boa viagem! A vida é isto…” escreveu certa vez um engenheiro naval. Este podia bem ter sido o mote para 10.000 Anos Depois Entre Vénus e Marte, o disco mais icónico de José Cid e que foi tocado na íntegra este sábado no Coliseu.
Entrando no palco do Coliseu, onde já se encontrava a sua banda de seis elementos, Cid agradeceu aos presentes por terem vindo acompanhá-lo naquela viagem que estava prestes a começar.
As luzes diminuem de intensidade e ouvimos o dedilhar suave de “Vida (Sons do Quotidiano)”, um dos melhores E.P.’s da música portuguesa e um dos temas mais queridos dos fãs de José Cid-não-baladeiro. O autointitulado “Mãe do Rock” prosseguiu o concerto, introduzindo aquela que diz ser a sua primeira incursão pelo “Rock Sinfónico”: Quando, Onde, Como, Porquê, Cantamos Pessoas Vivas do Quarteto 1111, com letras de José Jorge Letria. Neste concerto a Obra-Ensaio de Cid recebeu uma roupagem mais pesada assistindo a uma troca de solos intercalados entre a poderosa guitarra de Francisco Martins e as teclas de Cid, Gonçalo Tavares e Augusto Vintém.
Depois destes dois temas com o qual os fãs do progressivo portugueses já estão bem familiarizados, Cid informa os mais desatentos que está a trabalhar num novo disco, Vozes do Além, com letras inspiradas em poemas de Rosa Lobato Faria, Natália Correia e da grande mestre da poesia portuguesa, Sophia de Mello Breyner Andresen. Na Aula Magna Cid apresentou quatro temas do álbum, entusiasmando com os temas mais rockeiros, mas deixando uma certa apreensão relativamente às baladas. Desta vez perdeu uma das baladas e só apresentou três temas, dois deles cheios de potencialidade, com a guitarra de Chico Martins a liderar o ataque progressivo.
A introdução estava terminada e era altura da viagem espacial começar. Começaria a nossa viagem de 10.000 anos pelo Sistema Solar.
O tom com que começa a viagem intergaláctica é de tristeza e de medo. O nosso planeta azul é destruído pelos Homens e já não há salvação para a Humanidade, que vive o seu “Último dia na Terra”. A tristeza sentida a princípio torna-se numa consequente raiva que inflama a voz do narrador que parece já não se importar com destino daqueles que foram responsáveis pela destruição e “O Caos” na Terra: “Se tiveres que fugir, foge/Se tiveres que morrer, morre” canta o músico. Segundo o relato, a humanidade ficou parada a ver o mundo a definhar, displicentemente e impotente, mas todos procuraram a salvação, embarcando numa nave espacial, em busca dum novo sítio ao qual chamar “casa”.
Já com a humanidade na sua “Fuga Pelo Espaço”, as harmonias vocais de Cid e do seu coro de apoio, abrem caminho para um solo de guitarra de Chico Martins que nos transporta pela viagem ao longo do nosso Sistema Solar, onde avistamos Marte, Mercúrio, Vénus e Plutão, enquanto a Humanidade anda à deriva pelo espaço. Chegamos finalmente a “Mellotron, o Planeta Fantástico” e aí aterramos, para tentarmos estabelecer uma nova casa neste planeta tão musical. A humanidade não se consegue aqui estabelecer, até porque o planeta já está habitado por formas de vida alienígenas. Os motivos musicais que acompanham este planeta são arrepiantes e agressivos, prova que este planeta simplesmente não é adequado para o Homem se estabelecer.
É então que surge um primeiro sinal de luz e nasce uma nova esperança nesta viagem interplanetária. Esta nova etapa é-nos apresentada por um grupo de pessoas que tão bem conhecemos: a icónica banda que ajudou Cid a gravar o álbum em 1978. Ao palco sobem Ramón Galarza para ocupar o seu legítimo lugar atrás da bateria, Zé Nabo que é uma imagem incontornável do baixo e da música portuguesa e Mike Sergeant, o senhor escocês das guitarradas progressivas. A banda lança-se num instrumental pensado e tranquilo, acompanhado por uma voz lírica e cristalina. Estes elementos são responsáveis por avistarmos, “10.000 Anos Depois, Entre Vénus e Marte” uma réstia de esperança: “Um planeta vazio/ À espera que o descubram/ Onde recomeçar/ Outra civilização”. Cid guia um Coliseu a cantar em plenos pulmões estes versos tão animadores para os exploradores espaciais. Este é o hino do Rock Progressivo Português, conhecido por todos! Os versos, para quem não os sabe de coração, são projectados num ecrã, para que todos possam partilhar da glória destes que a Terra avistam.
Os exploradores que à Terra voltam são como Adão e Eva. Chegam a um planeta há muito deixado para trás. É necessário “A Partir do Zero” trabalhar em busca de um futuro melhor (um pequeno à parte para celebrar a secção rítmica que tem neste tema um momento de grande destaque). A viagem espacial em que embarcámos com o Capitão Cid chega ao fim, com pequenos “Memos” (memorandos) para nunca nos esquecermos da lição transmitida ao longo desta jornada.
Resta agradecer à banda que acompanhou José Cid, que ainda aproveitou para anunciar que voltará a tocar este disco na íntegra na passagem de ano.
E por fim, muito, muito obrigado, Tio Zé!
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Fotos: Francisco Fidalgo