A voz é quente, mas a noite estava bastante ventosa e bastante fresca, por isso a combinação não foi temperadamente perfeita, coisa que desde cedo começámos a lamentar. Jill Scott surgiu em palco com o poder de sempre, mostrando que vinha para fazer do espetáculo de estreia deste EDP Cool Jazz de 2016 um momento para ser recordado durante bastante tempo. E assim será, seguramente, sobretudo para quem se revê naquele estilo bem particular da cantora. Com 7 álbuns já gravados, Jill Scott é uma mulher que não restringe ao canto a sua arte. Sabemos que também é atriz e poetisa, o que garante um certo extra às suas atuações. No entanto, o seu início enquanto artista de spoken word parece há muito ter sido deixado para trás. O que mais a absorve hoje é o canto, a entrega a um estilo swingado e cheio de soul, a lembrar o longo passado americano dessa cultura negra que perdura bem viva até hoje. Foi também para ouvir esse histórico caldo cultural que muita gente se dirigiu até aos Jardins do Marquês, em Oeiras. Estava mesmo muita gente presente, ocupando a quase totalidade dos lugares sentados, e outra tanta no espaço reservado a todos os que preferiram assistir em pé ao duplo espetáculo da noite.
Antes da apresentação da grande estrela do primeiro dia do EDP Cool Jazz, Charlie Wilson abriu o espetáculo. Igual a si mesmo, o ex-líder dos The Gap Band trouxe algum do som funk dos anos 80 para o centro das atenções. Os saudosistas agradeceram, por certo. Felizmente para ele, longe vão esses tempos, em que o sucesso se fundiu com as atribulações de uma vida marcada por muito álcool e muita cocaína. Nos dias de hoje, “Uncle Charlie” (nome que lhe foi atribuído por Snoop Dog) é um sobrevivente, não só das drogas que o afetaram, mas também de graves problemas de saúde que o atingiram. Talvez por isso os seus concertos estejam tão cheios de vida! Os tempos de agora são bem melhores, e isso nota-se na alegria e na entrega em palco. Claro que a recente vitória portuguesa no Euro 2016 foi assunto de conversa entre artista e público. Mais do que uma vez, até. Já no que diz respeito à música, houve espaço para algumas recordações do passado, e por breves momentos até algumas notas de “Thriller” soaram bem alto por todo o lado. Mais uma vez, os saudosistas devem ter apreciado. Esta foi a estreia do artista em terras lusas. Veio para apresentar o seu álbum Forever Charlie, e uma coisa parece bem certa: o uncle Charlie agradou aos uncles da linha.
Mas voltemos a Jill Scott e ao que ela nos mostrou na noite de ontem. A espera até à sua atuação foi demasiadamente longa, com direito a pedido de desculpas por parte da organização. Uma hora ao vento e ao frio custa a passar, mas esse foi mesmo o tempo que tivemos de esperar pela cantor e pela sua banda. Quando, por fim, subiu ao palco, Jill Scott prometeu que aquela seria uma noite de “love and music”. Começou a cumprir a promessa logo de início, aquecendo o ambiente (a expressão, infelizmente, não deve ser entendida literalmente) com as suas fortes interpretações, algumas delas descaindo para registos quase operáticos de grande beleza sonora. Jill Scott parece poder conseguir fazer tudo o que quiser da voz, e por vezes isso parece também ser o que mais lhe importa mostrar, o que nem sempre acaba por ser uma coisa agradável, convenhamos. Alguns dos temas que terão merecido os maiores aplausos foram “Whatever”, “Honey Molasses”, “The Way” e “You Don’t Know”, claro está. Fica a ideia de que o show da cantora americana teria ficado a ganhar se a noite fosse outra, e o espaço um local fechado, até porque a magia destes Jardins do Marquês perde-se um pouco quando o vento e o frio fazem esquecer que estamos em pleno verão. No entanto, a música, quando é de qualidade, acaba sempre por triunfar, mesmo que alguma adversidade meteorológica tenha insistido em incomodar a longa noite soul-funk de Oeiras.
- fotografias da ETIC gentilmente cedidas pela organização do EDP CoolJazz Fest