Com o fim do terceiro dia, terminou também a décima edição do NOS Alive 2016. Três dias em enorme rotação, muitas horas de música e festa como só este Festival sabe proporcionar. Como nos dois anteriores, também ontem o cartaz estava repleto de muitos artistas e bandas. Vasta e saborosa escolha para que o final de festa deixasse saudades. Vejamos: Calexico, Vetusta Morla, Paus, Band of Horses, Four Tet, Grimes, Arcade Fire (o grande nome do dia, pois claro), M83 e Ratatat dominaram a tarde, a noite e a madrugada. Para além destes nomes, outros se apresentaram, bem menos conhecidos, mas com inesperado e singular interesse, como veremos mais à frente.
Começamos, então. Pelo Palco Heineken, a abrir o espaço, os portugueses Them Flying Monkeys surgiram às 17 horas em ponto, mas estas primeiras palavras não vão diretamente para eles, mas antes para um fenómeno contagiante que vem espalhando a sua influência por muitas bandas, por vezes de forma quase descarada. Para mais, já fazem escola. E a culpa, sendo deles, não é deles, obviamente. Ontem tivemos mais um exemplo disso, coisa que já havíamos referido a propósito de Ganso, embora nestes através de uma forma mais brincalhona e aparentemente mais descomprometida. A maneira como os Them Flying Monkeys se apresentam, a forma de cantar, o posicionamento da guitarra do vocalista Luís Judícibus, tudo faz lembrar, e bem, os já consagrados Capitão Fausto. A principal diferença é que cantam em inglês (o que não nos parece bom princípio), e nem mesmo os exuberantes chapéus e as camisas floridas de manga curta faltam para que as semelhanças com os Fausto sejam mais do que óbvias. Este fenómeno, como há pouco referimos, não deixa de ter interesse, mas talvez comece a ser revelador de uma procura de identidade artística que encontra na imitação (o sublinhado do itálico é, mesmo assim, forçado mas deve ser levado em conta) uma espécie de solução algo comprometedora. Mas enfim, há males maiores no mundo, e estes rapazes trilharão, se o futuro lhes permitir, o seu caminho por entre a Lisboa dos Capitão e os travesseiros e queijadas de Sintra, que é de lá que chegaram até ao Palco Heineken, apenas com um EP em carteira, embora já estejam a gravar o seu primeiro longa duração. Tiveram uma atuação bem simpática, na verdade.
Ainda no mesmo palco, fomos com alguma expectativa para ver a estreia de Little Scream em Portugal. Ela, que conta já com dois discos na carreira, é uma protegida de Richard Reed Parry, multi-instrumentalista dos Arcade Fire, que acabou por também ele dar uma perninha no concerto de ontem. No entanto, acabámos por ficar um pouco desiludidos. O concerto foi demasiadamente descomprometido, muito morno, mais centrado no último disco (Cult Following), onde “Love as a Weapon” pôs mais gente a abanar a anca. Faltou um pouco mais da aura etérea do primeiro trabalho, Golden Record. Um concerto com um travo mais pop do que aquilo pelo qual esperávamos.
Entretanto, aproveitámos a ocasião e demos um salto ao Coreto para ver o tremendo concerto dos Galgo. Têm futuro estes miúdos…
E da nova pop de Little Scream passámos para a fusão dos Calexico. A primeira impressão que nos saltou à vista quando a banda entrou, prende-se com aparato que traziam. Uma quantidade de músicos e instrumentos variados de causar impacto! A banda faz jus ao nome, numa mistura de country redneck com mariachi de sotaque hispânico. Mais uma vez, havia grande expectativa para ver esta banda em palco. A banda tex-mex de Tucson chamou muita gente ao palco Heineken, mas não ficámos com a melhor das opiniões. Os Calexico deram-nos um concerto misto, mais animado em temas como “Alone Again Or”, cover dos Love, “Falling From The Sky” e “Cumbia de Donde”, do seu mais recente trabalho, Edge of the Sun, mas de resto foi um pouco morno. Uma certa bipolaridade entre os temas hispânicos e os mais “americanos” fazem a banda perder alguma da sua força. Dão ares de serem duas bandas e não apenas uma com várias influências. Bem tocado, sim, mas um concerto mais para ver numa sala do que numa tenda de festival.
Depois, pelas 19 e 30, e por entre milhares de espanhóis que cerravam filas bem à frente do Palco NOS, os Vetusta Morla iniciavam funções em grande estilo, para delírio dos nossos vizinhos do lado. São uma banda que subiu a pulso, e com 18 anos de existência possuem apenas 4 álbuns de estúdio, um recente disco ao vivo, e vários eps, coisa bastante típica de muitas bandas espanholas. Sobre o concerto, há que dizer que foi curto para tanta vontade, tanta garra, tanta alma demonstradas por Juan Pedro “Pucho” Martín e restantes membros da banda. Logo ao segundo tema, uma verdadeira explosão de alegria: “La Deriva”, a canção que dá nome ao último disco do grupo, é uma malha de outro mundo, e isso fez-se sentir por entre um enorme mar de fãs que cantavam e pulavam ao som de “He tenido tiempo de desdoblarme /
Y ver mi rostro en otras vidas / Ya tiré la piedra al centro del estanque”. Mas isso foi apenas o início, uma vez que durante todo o concerto a energia contagiante que vinha do palco espalhou-se pelo público mais fiel à banda de Tres Cantos, Madrid. Pucho Martín tem uma presença muito marcante, como já sabíamos, mas vê-lo ontem a mostrar os seus atributos de lead singer e motor de todos os Vetusta Morla, foi o primeiro acontecimento do dia. Eles prometeram voltar, e as promessas só fazem sentido se forem cumpridas. Aguardemos…
Enquanto isso, um outro nome de origens hispânicas tocava do outro lado do recinto. José González foi o primeiro senhor a encher um dos palcos do dia, ele que conta já com uma legião de fãs que o seguem desde Veneer (2003), disco de estreia do músico sueco com raízes argentinas. Foi, claramente, um dos melhores concertos deste festival inteiro. Uma actuação intimista, sem tiques de vedetismo, contando com uma banda lo-fi, com um ar totalmente seventies, que deu um bom aconchego ao som da guitarra de José González. Entre viagens pelos seus três discos de originais, contámos também com uma versão de “Walking Lightly”, dos seus Junip e, ainda, uma bela representação de “Teardrop”, dos Massive Attack. Entre o rock e a electrónica de muitas bandas deste festival, foi de coração aberto e cheio que recebemos esta rendição de José González. Um senhor que será sempre bem-vindo em território nacional, seja a solo, seja com Junip.
Por volta das 21 e 20, algo de estranho e inusitado aconteceu. Confessamos o nosso desconhecimento, mas curiosos pelo nome do grupo, lá fomos até ao Raw Coreto By G-Star Raw ver quem eram os Kero Kero Bonito. Muita gente já lá estava e sentia-se uma certa ansiedade pelo início da atuação. E assim, de repente, parecíamos estar a fazer parte de uma mangá japonesa ou de um qualquer video game do país do sol nascente. Mas os Kero Kero Bonito (ou KKB, como entusiasticamente o público se lhes dirigia aos gritos) são londrinos, e têm na vocalista Sarah Midori Perry o seu maior (e talvez único) verdadeiro trunfo. Sarah deve ser a rapariga mais feliz de todo o universo conhecido, e para isso contribui bastante a sua descendência nipónica. Só pode. É um encanto vê-la, e ouvir a música que os KKB fazem é reconhecer a vitória da verdadeira simplicidade, e a prova de que atualmente só não faz música quem não quer. A simplicidade, no entanto, nem sempre é sinónimo de virtude, convenhamos. Gus Lobban e Jamie Bulled montam um som típico dos Casio SA-45, e isso basta para animar qualquer festa para crianças, jovens adolescentes e alguns estranhos seres que parecem retirados de episódios dos referidos quadradinhos japoneses. “Flamingo” foi o tema mais esperado, e foi incrível ver tanta gente a cantar de forma bem devota, note-se, as letras em inglês e japonês que por lá foram ouvidas. Sim, it’s a strange world, de facto!
E à quinta vez em Portugal (sempre em âmbito de festival, refira-se), os Arcade Fire não vieram apresentar nenhum disco novo. Nem sequer um cheirinho do trabalho que andam a preparar, segundo os rumores. No entanto, esta novidade não trouxe nenhum inconveniente a quem passou pelo Palco NOS. Muito, mas mesmo muito, pelo contrário. Win Butler, qual Elvis Las Vegas renascido, é o comandante de uma legião de músicos, todos em prol de um único objectivo: apresentar, não apenas um grande concerto, mas uma experiência emocional que perdure por muito tempo na alma de quem a ela assista. Ontem não foi excepção. Com um setlist bastante semelhante ao apresentado há dois anos na Bela Vista, os Arcade Fire mostraram porque são a melhor banda do século XXI, e das poucas do tal movimento indie que ainda perdura e que não sairá desse pedestal tão cedo. A ligação que se cria entre a banda e o público é notória. Os olhares cúmplices de amigos chegados e os abraços a um qualquer estranho ao nosso lado são a prova disso mesmo. Um concerto de Arcade Fire é uma experiência religiosa que não deixa qualquer ateu indiferente, vide “No Cars Go”, “Rebellion (Lies)” ou “Wake Up”. Um concerto que começou com “Ready To Start” e acabou em “Wake Up”. Sem direito ao cliché encore, passou, com igual distribuição de músicas, pelas quatro etapas da vida da banda de Win Butler, Regine Chassagne e o resto da turma. À quinta vez em Portugal foi assim, esperemos que a sexta já traga o novo disco. Os discípulos anseiam pelo novo sermão que se avizinha.
Four Tet não foi o que esperávamos. O seu set reduziu-se ao mais puro techno de batidas intensas, fortes, dançantes, uma monotonia house que deliciou muitos, e terá desiludido outros tantos, como aconteceu connosco. Longe vão os tempos inventivos de Rounds, por exemplo, em que as melodias tinham óbvio destaque nas suas composições. Hoje, ou melhor será dizer ontem, o que ouvimos deixou-nos sem qualquer entusiasmo, e por isso cedo percebemos que era tempo de rumar até outro local.
Junk, o novo disco dos M83, alter-ego do francês Anthony Gonzalez, está longe de ser um bom disco. Contudo, quem já tivesse contactado com a banda em registo ao vivo, saberia que tudo haveria de correr pelo melhor se o alinhamento não desse particular atenção à novidade. E assim foi: “Reunion”, a abrir, foi o arranque para o empolgante concerto que fechou o palco principal da edição deste ano do NOS Alive. O alinhamento foi abrangente e não ignorou malhas emblemáticas como “Couleurs”, “We Own the Sky” ou, claro, “Midnight City”. Anthony Gonzalez é o cérebro, mas foi no inesgotável baixista e na bonita teclista que os olhos mais se focaram – num movimento que acontecia ao mesmo tempo que se abanavam as festivas ancas que enchiam a praça. O final foi bruto e difícil, com “Lower Your Eyelids To Die With The Sun”, música para fãs, faixa final do emblemático Before the Dawn Heals Us (2005). Os M83 são uma grande banda que lançou um disco tenebroso no 2016 que corre, mas que se mantém como porto seguro nos concertos. Valentes!
Depois de 3 dias bastante intensos, foi duro perceber que afinal It Was All A Dream, como bem iluminava o já mítico néon do NOS Alive, local de passagem para tantas e tantas selfies e outras fotos igualmente costumeiras, com lugar a filas de espera e tudo. Não foi um sonho, obviamente, mas uma realidade bem oleada, bem montada, sem sobressaltos, uma organização imaculada, tanto para quem se diverte como para quem trabalha, que é o que fizemos durante estes 3 últimos dias para continuar a garantia de que nos podem sempre ler aqui. Fazer a devida vénia à Everything Is New é, portanto, uma obrigação. Por isso, a vontade que resta é apenas uma: que o sonho e as memórias que ficaram ontem para trás possam vir a tornar-se de novo, daqui a 11 meses, a realidade que tantos milhares procuram todos os anos. E já lá vão 10! Aqui e no resto do mundo. Parabéns, NOS Alive! Vemo-nos a 6, 7, e 8 de julho. Até para o ano!
Texto: Carlos Vila Maior Lopes e Frederico Batista com Pedro Primo Figueiredo || Fotos: Francisco Fidalgo e Francisco Pereira