No terceiro dia de Jameson Urban Routes, dia 24 de outubro, o Musicbox trocou as guitarras do primeiro dia de festival e prolongou a eletrónica ouvida (e sentida) na segundo noite. Mas, desta vez, as mesas de mistura e os samplers vestiram-se de negro. PAUS foram o único clarão pop (e instrumental) do dia, numa noite pensada para apreciadores de atmosferas depressivas criadas por MIDI.
“Faltam seis bilhetes para esgotar”, ouvia-se à entrada do Musicbox, pouco depois das 22h30. Pelas 22h40, ao som de relógios irrequietos e perturbadores, Inga Copeland estreava o palco. Esta não foi a primeira vez que Aliina Astrova, nome de nascimento de Copeland, tocou em Lisboa. A sua primeira visita aconteceu em 2011, no sótão da Kolovrat 79, sob o nome de Hype Williams, projeto que partilhava com Dean Blunt, artista britânico que esteve no Lux há 5 meses. Apesar dos inúmeros projetos em que já esteve envolvida, como os Bo Khat Eternal Troof Family Band ou os Hype Williams, a artista eslovena – de pulso firme – mostrou que só precisa de si mesma. Dependências? Apenas o costume: um evidente desrespeito por qualquer estrutura comum e um vício por jogos sonoros esquizofrênicos que incomodam mas seduzem. E conseguiu. De cabelo rapado, postura entorpecida e envergando uma sweatshirt da Adidas – deixando o cap negro da Nike que costuma usar em casa -, Copeland hipnotizou o Musicbox durante uma hora de set.
Através de uma neblina etérea, suportada por um baixo capaz de testar os limites de qualquer subwoofer e embalada pela sua voz cheia de reverb, Copeland conquistou a plateia que aproveitou cada silêncio para aplaudir efusivamente a sonoridade desconfortante, mas mística, da jovem eslovena. De “So Far, So Clean” até “A&E”, passando pela epilética “insult 2 injury”, o set esteve repleto de temas do seu mais recente disco Because I’m Worth It (2014), com menções honrosas à sua mixtape Higher Powers (2013). O espectáculo da jovem produtora serviu de mote para o resto da noite: uma celebração do experimentalismo, das atmosferas negras e dos ritmos 2 step, dub e grime típicos dos subúrbios londrinos.
Antes de Andy Stott, que retomou o que Copeland tinha começado, foi a vez dos portugueses PAUS tomarem as rédeas da festa. Com um álbum novo na calha, o recém-anunciado Mitra, os PAUS foram vítimas da circunstância. De GoPro ligada, pronta para gravar um novo videoclip, tal como anunciaram, a superbanda lisboeta entrou a matar, com “Língua Franca”, mas o público resistiu – pareciam estar ainda atordoados pelo feitiço de Inga. Não dançavam, não se mexiam, apenas berravam no final das canções – como se os corpos ainda estivessem petrificados. Mas à terceira cantiga, o “Malhão”, as defesas foram destruídas e os primeiros saltos foram imediatos. “Sim, esta é que é a primeira música! A partir daqui é para partir tudo”, disse Albergaria.
A mais de uma hora de set fez uma viagem ao imaginário de PAUS, que repescou canções do disco homónimo de 2011 e não esqueceu Clarão (2014). De “Muita + Gente” até a “Bandeira Branca”, passando pelo celebrado “Deixa-me Ser”, valeu tudo. A festa terminou com uma saltitante “Pelo Pulso”, do EP É uma Água (2010), que incutiu aquilo que deve ser um concerto de PAUS: empurrões, dança e êxtase. 8 meses depois, os PAUS regressaram aos concertos na capital com casa cheia, com um poderoso espetáculo montado e com os instrumentos afinados, mas num cartaz ingrato e diante de um público que não é o seu.
O final de noite dançou-se ao som do dub negro de Andy Stott, um dos pontos altos da noite. O produtor britânico, que já esteve em solo luso no início deste ano, ao visitar o Lux Frágil, apresentou o seu mais recente disco Faith in Strangers (2014). Para os mais resistentes, o português Gustavo Rodrigues fechou a loja com um set igualmente dançável.
Fotografias: Filipa Leite