
Há um ano e meio, B Fachada passava por Coimbra, naquela pequena tour de O Fim, para um belíssimo concerto no Teatro Académico Gil Vicente, que marcava o “até um dia” do cantautor lisboeta. A espera foi grande e penosa, mas quando, finalmente, foi anunciado o seu regresso, muitos foram os que rejubilaram com a notícia e respiraram de alívio. E, pouco mais de um mês depois, no dia 21 de Junho de 2014, ali estava ele, pronto para preencher o vazio deixado pela sua partida temporária.
A pequena sala do Salão Brazil cedo começou a encher. Com início marcado para as 23h30, às 22h já havia quem marcasse lugar para presenciar o aguardado regresso de Fachada, agora sem o B, à cidade dos estudantes.
Foi recebido com uma grande salva de palmas e muita emoção, como de quem já tinha muitas saudades daquele amigo que há tanto tempo não vê; e assim, de copo na mão, com um tímido “Olá” e música nova, desandou a conversa, que se prolongou por 1h15. Pena, no entanto, que nem todos estivessem interessados naquele tipo de conversa.
No final do primeiro tema, Fachada falou-nos de um “Pifarinho”, que segundo o próprio, andaria “lá para os lados da Lousã”. Mais uma ronda e aplausos e mais uma música nova, mas não sem antes falar da noite anterior, em Leiria. “Vocês sabem como aquilo é” disse Fachada, causando risos no público. “O pessoal decidiu que havia de pôr a conversa em dia durante os refrões e, portanto, aquilo não correu muito bem”. Saía a primeira subtil advertência para aqueles que, no bar, não conseguiam conter o falatório durante as músicas.
“Dá música à bófia” é o nome do tema que se seguiu, escrito para musicar a “dança”, acima e abaixo nas escadas do Palácio de S. Bento, de uns quantos agentes da autoridade. No final, Fachada fez questão de mostrar as botas que trazia calçadas, fabricadas em Coimbra, ao público, que reagiu ao momento de equilibrismo com risos e aplausos. Acalmados os ânimos, e ainda antes de avançar no concerto, o cantautor contou-nos a história da primeira vez que tocara naquela sala: não estava lá ninguém que soubesse montar o sistema de som e, portanto, tocou sem amplificação. “Olhem que eles tiveram de estar muito caladinhos para me ouvir”. O pessoal do bar, que insistia em conversar e desrespeitar o artista, ouviu, aqui, a sua segunda repreensão.
Seguiu então a música, com duas canções novas. Os novos temas de Fachada, sem qualquer excepção, foram muito bem acolhidos pelo público. É sempre bom ouvir alguém a dizer as coisas tal como elas são e se passam, na actualidade política e social do nosso país, a criticar e a expor aquilo que deve ser criticado e exposto. Este carácter interventivo das suas novas músicas é bastante evidente em versos como “A polícia fica louca quando a canção cabe na boca” ou “Dá música à bófia, um tirinho p’rá memória”. No entanto, o facto de misturar versos como estes a uma música electrónica feita bem ao seu estilo, resulta num “pós-fachadês”, que lhe assenta como uma luva.
Depois deste leque de novas canções, ouviu-se a interrogação “Quem quer fumar com o B Fachada?”. O público, ao reconhecer a música, de imediato encheu os pulmões (de ar, atenção) e acompanhou Fachada nesta versão “acústica” da música (a secção rítmica ficou “em casa”). E, no mesmo estilo, seguiu-se “Afro-Xula”, algo que, no entanto, não impediu que se levantassem dois rapazes para dançar a “kizombada”. O próprio Fachada, ao reparar nisto, interrompeu a música para dizer “Não há coisa mais coimbrã que dois homens a dançar”. Os risos foram muitos e, recomposto, rematou “Sem intenções, é claro”. Continuou a música, a dançaria e a cantoria.
Em seguida, ouviu-se “Tó-Zé” e, no final desta, alguém gritou “Toca a bandós!”. Fachada, primeiro intrigado, acabou por esboçar um sorriso e dizer “Eu sei essa. Mas só sei porque é fácil”. Sucederam-se risos e, então, acedeu ao pedido do fã e tocou “Cada Um”, belíssima música do já “velhinho” Viola Braguesa. Após este bonito momento de nostalgia, surgiu uma música nova, “Fandango Ensaiadinho”, e uma versão da música “Sant’Antoninho”, de José Mário-Branco.
Sucedeu-se então aquele que foi o pior momento da noite; e Fachada bem que pode lavar as suas mãos disso, pois não teve culpa nenhuma pelo sucedido. O facto é que ninguém pode ser culpado pela estupidez alheia. Desde a última advertência que tinha feito aos que, no bar, decidiram que haviam de falar durante todo o concerto, o volume da conversa subira tanto que o artista se viu forçado a dizer “Eu não sei se isto é novo para vocês, mas a minha matéria-prima é o silêncio”. Tendo dito isto, começou a tocar. No entanto, a conversa não abrandara. Então, irritado, abandonou o palco perguntando “Nem assim?”. Claro que, devido aos aplausos dos fãs, voltou e começou a tocar “Não pratico habilidades”. Com o início da música, reinstalou-se a conversa e, dirigindo-se directamente para as bestas mal-educadas, disse “Eles devem pensar: o gajo começa a tocar e não ouve”. Seguiram-se muitas bocas dos que estavam lá para, efectivamente, ouvir o artista. Perante o tumulto geral, os animais lá se calaram, embora ainda tenham sido mandados calar mais umas quantas vezes, entre canções. Recomeçou a tocar a música e embora se tenha enganado algumas vezes e até desistido de cantar, pondo essa responsabilidade no público, lá chegou ao fim a canção. Voltou a sair e, depois de uma ovação de pé, lá voltou, a muito custo, para tocar aquelas que seriam as duas últimas canções da noite, “Só te falta seres mulher” e “Deus, Pátria e Família”. No final, agradeceu e, depois de outra ovação em pé, saiu. É triste que um concerto que estava a ser tão bonito fique estragado pelo comportamento absolutamente desrespeitoso de quem não se importa de pagar 10€ para ir para um concerto falar.
No entanto, é de realçar aquilo que realmente importa: Fachada voltou e está para ficar, com canções que deixam expectativas altas para o próximo álbum. O nome já não importa, desde que continue a ser aquele gajo simpático que é. E, claro, a fazer as grandes músicas que faz.
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(Fotos: Mónica Tomás)