Akira Sakata e Giovanni Di Domenico subiram ao palco do pequeno auditório da Culturgest, porque o Pedro Costa continua a perguntar: Isto é Jazz? A culpa não é só deste ciclo comissariado por ele, mas também da MBari, que editou o disco Iruman, construído precisamente por estes dois músicos. Então a culpa não morre solteira, e toda a gente que esgotou o pequeno auditório da Culturgest assistiu a um brilhante matrimónio musical entre um italiano e um japonês com diferença etária de mais de 30 anos, e diferença de estatura de cerca de 30cm – ambas revelaram-se musicalmente irrelevantes.
Foi o pequeno japonês que deu as boas vindas aos presentes com um inglês tão sofrível quanto sincero, e começou por se agigantar ao saxofone, com Giovanni no piano de cauda. O início algo planante não durou muito tempo, e em poucos minutos já estavam a rasgar pano, e a subir o tom da conversa musical que imergiu com uma intensidade avassaladora.
Não era preciso grande concentração para perceber o brilhante diálogo entre o piano e o saxofone, a titilante e intensa forma de tocar de Giovanni quase não permitia a vista acompanhar as mãos do músico no piano. Foi o tom alto e de execução rápida que marcou o primeiro trecho desta improvisação.
Uma pequena pausa fez Giovanni levantar-se para tocar com as cordas de dentro do piano, e fazer soar gotas de metal sob um fundo sonoro de pequenos sinos que Akira foi meticulosamente tocando, passando depois para o clarinete – ficámos imersos numa ambiência musical soturna e calmante. É também nesta 2ª parte que Akira emprega a sua voz no improviso, primeiro por via do sussurro, e depois a vociferar fortemente algo que foi tão ininteligível como arrebatador.
Não houve pontos baixos em cerca de 1 hora de concerto, e no encore Akira volta à voz sem maneiras, e muito bem, bradando aos céus com os sinos, como se numa opereta de desenlace épico se encontrasse, voltando ainda ao clarinete. Em cima de tudo isto, Giovanni provocou o manto de piano ora esquizofrénio ora compassado, onde tudo assentava perfeitamente.
A Culturgest tem por regra não permitir que se fotografe durante o decorrer dos espectáculos – público ou imprensa. Isto não só isenta os espectadores de clicks incómodos durante o concerto, como dá hipótese aos fotógrafos de acompanharem o soundcheck dos músicos, que é a contra-partida oferecida. Para quem gosta de música, é (normalmente) interessante assistir à dinâmica dos músicos despidos da presença de público, e às afinações e alinhamentos que se fazem ao preparar um concerto. O tom descomprometido porém sério com que Akira Sakata e Giovanni Di Domenico se alinharam nos microfones e instrumentos, fazia prever algo de especial para aquela noite – não me enganei.