Kate Moss e krautrock, Stones e C86, “doobie-doos” e dub, drone e drunfos. Não há meio-termo nos álbuns dos trigenários Primal Scream. Eternos experimentalistas e graciosamente irrequietos vira-casacas, têm a bem-dita incapacidade de manter o seu som numa determinada etiqueta, cena, estilo ou década musical não mais do que o tempo restante até o próximo álbum chegar. Hiperbolizo, pois já se revisitaram, aqui mais uma vez se revisitam, mas não o suficiente para afirmar que exagero.
Desta vez, é Soft Cell, Gary Numan, a malta da new wave minando a bebida deste eternos hedonistas, uma bola de espelhos e os anos 80 no suor dos corpos. Acompanham-se, certeiramente, de gente que bem se apropria desses sons nos seus próprios trabalhos: as senhoras da banda Fleetwood-Mac-Para-O-Séc.-XXI HAIM oferecem vocais de apoio às quatro primeiras faixas; Sky Ferreira incinera de tão fulgurantemente kitsch e confiante em “Where The Light Gets In”, um dos singles pop mais inspirados de toda a carreira da banda.
Anteriormente, referenciei o facto de se incluírem neste álbum alguns piscares de olho nostálgicos aos trabalhos anteriores da banda. Nada contra, por simples razões: a faixa de abertura “Trippin’ On Your Love” grita a obra-prima de ‘92 Screamedelica nos seus coros gospel por entre beats intricados de house, a forma como condensa e resume a magia dos portentos de 10 minutos do álbum que emula num doce bombástico de 3 minutos e picos é irrecusável, irresistível: quem não desejou a magia de “Come Together” concentrada em 3 minutos? (Heresia, heresia, vão-se foder, que não tenho pachorra para puristas). O mesmo filtro pop saboroso, detalhado e melódico sucede com “Private Wars”, singela balada acústica de profunda beatitude, de luva dir-se-ia tão bem assente no homónimo de ’89, ou “When The Blackout Meets The Fallout”, malha que implora estar nas fileiras de Evil Heat ou ser interlúdio apaziguante no terrorismo sónico de XTRMNTR.
Megalomaníaca ambição – única característica da qual Bobby Gillespie e restante pandilha não se livram desde os seus primórdios. Brincam aqui ao faz-de-conta de banda indie pop dos anos 10 do século XXI, e num aparente sem-esforço-algum, batem-nas no seu próprio jogo, armados apenas com uma linha de sintetizador certeira, versos cantados viscosamente por um vocalista que comunica cansaço e joie de vivre numa entrega que não sabemos se pós-irónica (ugh) ou honesta em “(Feeling Like A) Demon Again” (isto sentir-se-á ao longo de todo o álbum, Gillespie ainda um dos mais discretamente carismáticos líderes duma banda rock). Os Gorillaz de Plastic Beach não desdenhariam “I Can Change”, nenhuma banda de clubbing de há 30 anos recusaria “Carnival of Fools” (glorioso gordo teclado acompanhado de batida esmagadora e indiscreta). Omnívoros e plurais, os Primal Scream mostram-se enciclopédias pop de ouvido bem atento capaz de absorver toda a informação sónica de lado todo e consequentemente incorporar no seu som da melhor forma.
Será a disco infernal e histriónica, ritmicamente bélica, de “Golden Rope”, com os seus hallelujahs e guitarras serpenteantes, um grande e agradável choque ao seguir-se o pastiche 80s (viva o pastiche, eterna vida ao pastiche, que nunca morrerá graças aos retro-maníacos) que é “Autumn In Paradise” (o título também não ajuda)? A verdade é só uma: mesmo que muito pouco coeso, altamente disforme, assemelhando-se a um cadáver esquisito, Chaosmosis é um triunfo de júbilo pop, um álbum divertido e mui alegre. Volta-se pelos rasgares de guitarras de “Trippin’ On Your Love”, pelo refrão exageradamente grandiloquente de “100% Or Nothing”, pelo pré-refrão em “Where The Light Gets In”, por todo o génio pop. Bravo.