Os Blur podem ser mais versáteis, os Pulp mais argutos e os Oasis mais autênticos. Não quero saber. Foram os Suede que deram ao mundo o disco mais perfeito da britpop: o seu álbum de estreia.
Era um disco muito desejado. Os Smiths tinham morrido, a metadona da madchester estava a acabar e o impenetrável shoegazing nem para terapêutica de substituição servia. «Panic in the streets of London!»: a orgulhosa capital do império estava sem cena nenhuma. E logo agora que a «Magic America» fervilhava de criatividade grunge. O Reino Unido precisava como pão para a boca de um messias que o salvasse da infame invasão ianque. E os Suede apareceram no momento certo (’92) no sítio certo (Londres). Sem mais nada no seu currículo a não ser o seu maravilhoso primeiro single (o lascivo «The Drowners»), os media apostaram neles todas as fichas. Duas semanas depois, sem nenhum álbum editado, os Suede figuravam na capa da Melody Maker. Resultado: quando finalmente Suede veio cá para fora bateu todos os records de velocidade de vendas, tornando-se disco de ouro logo ao segundo dia.
Um hype tão desmedido poderia facilmente tê-los destruído. Com todos os holofotes mediáticos apontados ao seu peito, o trajecto das balas estava também mais iluminado. Acontece que o disco era mesmo a melhor coisa que o Reino Unido havia produzido desde o Strange Ways, Here We Come. Todas as balas fizeram ricochete.
A dupla criativa Brett Anderson/Bernard Buttler retomara em ’93 o caminho indie que Morrissey e Johnny Marr haviam interrompido em ’87. Brett é um Morrissey que gosta de sexo. Buttler, um Marr que gosta de distorção. Junte-se uma pitada de Bowie na fase glam, acrescente-se muito film noir com limão e açúcar, mexa-se muito bem toda essa afectação, teatralidade, androginia e doce acidez, e a banda mais elegante da história da pop estará pronta a servir. Chamam-se Suede.
Brett cresceu em Haywards Heath, dormitório cinzento nos subúrbios de Londres onde nada acontece. E como todo o bom suburbano, Anderson desprezava a pequenez do seu lugarejo, sonhando com as luzes da grande cidade. Em adolescente, o seu passatempo favorito era contemplar na estação de comboios as linhas mágicas que lhe permitiriam um dia fugir para Londres. O glamor, a cocaína e a líbido que escorrem por todo o álbum de estreia não são outra coisa que não a luta obstinada de Brett contra o subúrbio pardacento onde cresceu.
Quando falámos de «glamor» – palavra absolutamente definidora deste disco -, poderíamos ser levados a pensar na elegância upper class de um Oscar Wilde ou de um Scott Fizgerald. Nada, porém, mais distante. O imaginário de Suede é todo ele povoado pela low-life londrina: a stripper de «Metal Mickey», a violação e o incesto de «Animal Nitrate», a heroína inalada de «So Young». A luz que emana destas onze canções intemporais é uma luz negra, néons escuros que projectam o negrume do mundo interior das suas personagens. Da mesma maneira, a sexualidade que jorra por todos os poros deste álbum nada tem de harmonia ou de felicidade. Em Suede, o sexo tem sempre algo de sinistro, a arena sombria onde os seus protagonistas se perdem («and so we drown, stop taking me over»- canta Brett em «The Drowners»).
Se a gente que mora nestas canções habita o lado errado da noite, malta confusa e perdida que não se consegue encaixar, é natural que os milhares de adolescentes que compraram o disco – também eles desadaptados quase por definição – tenham-se identificado profundamente com estas canções. O bom rock é sempre a banda-sonora da nossa vida e nenhum disco inglês dos anos 90 captou melhor a angst adolescente que este maravilhoso álbum. Suede é um Nevermind com scones e chá.