10.Blur – The Magic Whip
The Magic Whip marca um regresso tardio e inesperado. O reencontro dos Blur – sobretudo entre os seus eixos centrais Damon Albarn e Graham Coxon (vocalista e guitarrista, respectivamente), assentou numa celebração do passado, uma reunião para mostrar quão vivo é o legado desta banda. Mas serviu também, internamente, para Coxon e Albarn, lenta mas seguramente, irem reacendendo a proximidade e a amizade que mantiveram desde crianças até à ruptura, em 2003, aquando da edição de Think Tank. Apesar de ter sido Coxon a dar forma a boa parte do projecto, The Magic Whip é marcadíssimo por Albarn, e pela sonoridade dos vários projectos em que se envolveu ao longo dos últimos 20 anos. E isto é um gigantesco sinal de altruísmo do guitarrista, que não sucumbiu à tentação de, com o material à frente, replicar o som típico dos Blur dos anos 90, colocar a sua guitarra distintiva à frente de tudo. Na verdade, este disco soa a outra coisa: soa a um disco a solo de Albarn com a guitarra de Coxon. Um disco complexo sem ser difícil, profundo sem deixar de ser pop no bom sentido. Um grande disco de uma grande banda que, como nós, se olhou ao espelho e se apercebeu que cresceu.
9.Julia Holter – Have You In My Wilderness
Julia Holter, o mais recente caso sério para os que adoram nomes como os de Kate Bush, Laurie Aderson, Joanna Newson, entre alguns outros. Talvez o encantamento comece logo pela voz. É lustrosa e límpida ao mesmo tempo. Parece uma criança que nos canta delicadamente aos ouvidos, embora sabedora e consciente do seu próprio fascínio. Para mais, é ainda dotada de uma certa inocência (bem estudada) que lhe fica a matar. Este é um disco adulto que parece segredar-nos coisas importantes. Coisas como a efemeridade da beleza, a procura da luz, a elegância das sombras. Vistas assim, talvez todas as dez canções do disco façam (ainda) mais sentido. Compositora, teclista e intérprete, Julia Holter revela-nos, neste seu Have You In My Wilderness, uma particular visão da sua arte. As suas perceções soturnas, as suas estranhas histórias, a neblina sonora que se liberta a cada nova canção, tudo isso afeta quase até às lágrimas. Percebe-se haver neste mais recente trabalho de Julia Holter (como também acontece com os anteriores, aliás) um seguro controle composicional, paredes meias entre a vertente clássica e algum experimentalismo. Mas são as camadas de fumo, de névoa, as vozes como marés que vão e vêm, os sons estendidos como lençóis esvoaçantes, que marcam indelevelmente este Have You In My Wilderness.
8.Beach House – Depression Cherry
O lançamento de um disco dos Beach House é sempre um acontecimento, com ávida contagem decrescente desde o momento que é anunciado. As canções dos Beach House partem muitas vezes da repetição de acordes, que vão crescendo, ganhando intensidade, até entrarem com toda a força no fluxo sanguíneo de quem ouve. As músicas do novo disco são todas assim, carregadas de uma espiritualidade capaz de derreter e desarmar o corpo mais empedernido. Depression Cherry é todo assim, da primeira à última canção. O quinto disco da dupla de Baltimore é, portanto, tremendamente constante – nenhuma canção é inferior a nenhuma outra, o que faz também com que poucas se destaquem acima das restantes. Tal como os antecessores, Depression Cherry também consegue ser ao mesmo tempo banda sonora de todas nossas paixões e desgostos de amor.
7.Godspeed You! Black Emperor – Asunder, Sweet and Other Distress
Incontáveis músicos sentem a necessidade de, álbum após álbum, redefinirem-se. Contudo, há bandas que preferem desenvolver a sua fórmula e aperfeiçoá-la até ao tutano. É o que caso dos Godspeed You! Black Emperor que, em Asunder, Sweet and Other Distress, comprimiram as melhores receitas sónicas de 20 anos de carreira numa viagem de 40 minutos. O conjunto canadiano dedica 20 minutos para cada uma das suas especialidades: clímaxes arrepiantes e paredes de som, dotadas de um drone monótono, sujo e apocalíptico. Mais curto e directo, mas respeitador de silêncios e pausas, Asunder, Sweet and Other Distress tem 4 faixas que, juntas, formam uma só canção. Sempre numa atmosfera epopeica, os GY!BE vão isolando cada instrumento a seu canto e, através de accelerandos e cruzamentos de melodias, a canção explode de forma triunfal. Um trabalho que joga pelo seguro, sem inovações, mas que prima pelo próprio defeito: repescar os mais refinados ingredientes daqueles que são, muito provavelmente, os maiores baluartes da história do post rock.
6.Courtney Barnett – Sometimes I Sit and Think and Sometimes I Just Sit
Sometimes I Sit and Think, and Sometimes I Just Sit é um daqueles raros álbuns em que todas as suas canções facilmente enganariam o porteiro numa festa privada só para singles. Fazer isso quase sem cantar – ou cantar à Lou Reed, o que é a mesma coisa – torna a proeza mais assinalável. A referência ao ícone nova-iorquino não é inocente. Por muito descarado que seja o flirt de Courtney com o grunge e demais rock alternativo dosnineties, mais desavergonhado ainda é o piscar de olhos aos Velvet: as guitarras indolentes, o gingar rufia, a elegância do desaprumo, os solos despenteados, a expressividade máxima retirada da máxima inexpressividade, não deixam dúvidas em relação à sua nobre linhagem. A capacidade para chegar ao profundo através do banal, ao universal através do particular, ao dramático através do risível, ao humano através das simples coisas, a nós próprios através do espelho com os demais, mostra que Courtney Barnett não é apenas o último hype da temporada indie outono/inverno, mas sim uma songwriter que veio para ficar, merecendo desde já começar a ser medida por comparação aos maiores.
5.Father John Misty – I Love You, Honey Bear
I Love You, Honeybear é um santo graal de transparência emocional, em que, findados 45 minutos de folk florido, recebemos um livro de instruções sobre como se deve viver o amor. Não é o convencional nem o hollywoodesco. É um mais simples, sólido, onde não há problema em se admitir que lá no fundo (entre o sítio que nos faz gostar de bola e o que nos faz gostar de cerveja), nós, homens, temos muito de criançola narcisista, de ego frágil e alma insegura. Reunidas neste disco estão todas as lições que quem ama no século XXI precisa de saber. Divididas por 11 músicas, cada uma delas deixa-nos ver, no final, que gostar não precisa de ser uma coisa má, que ainda há beleza nos sentimentos que se partilham com alguém de quem se gosta. Que há sempre tempo (ou esperança, como queiram) para encontrar a/o nossa/o Honeybear.
4.Kamasi Washington – The Epic
Não é difícil perceber que o disco The Epic, de Kamasi Washington, possa ser entendido como um trabalho em contracorrente, completamente à margem da feérica ordem que rege os nossos tempos: a pressa! Primeiramente, por ser um álbum longo, longuíssimo, e poucos serão aqueles que quererão dispor de quase três horas do seu precioso tempo para o ouvir condignamente. Sendo que, para mais, três horas não chegam, e são só o começo para muitas outras, se se ousar perder (leia-se ganhar) tempo, o tal que passa a correr e nos leva para caminhos e lugares que, sendo mais imediatos, são também, tantas vezes, espaços áridos, vazios de algo verdadeiramente substantivo que nos convença a permanecer neles com agrado. The Epic é um dos melhores discos de jazz que 2015 viu nascer pois revela um homem capaz de se mostrar num patamar de óbvio domínio da sua arte. O próprio Kamasi Washington explicou todo o processo criativo que levou a The Epic de forma muito simples. Um músico não pode ter amarras, não pode espartilhar aquilo que anda solto no ar: o som. Em The Epic nada se perde. Tudo se aproveita. Ao ponto, até, de poder ser uma das melhores coisas que poderá ouvir durante muito e muito tempo. O curioso é que o tal tempo que parece estar sempre em falta, aqui sobra, transborda, e por isso é melhor não o desperdiçar.
3.Unknown Mortal Orchestra – Multi-love
A mudança é difícil. Seja quem mude – nós ou os outros -, seja voluntária ou inevitável, a mudança é difícil e Ruban Nielson abraçou-a. Mais conhecido por Unknown Mortal Orchestra, o músico australiano tem vindo a fazer cair queixos por onde passa, transportando na bagagem dois portentos de neo-psicadelismo que não deixaram ninguém indiferente. Mas depois disso, o que poderia vir a seguir? Quem o visse ao vivo, diria que o caminho seria o mesmo, talvez com mais guitarras, mais solos, mais hinos épicos. Foi precisamente o caminho contrário que escolheu. A mudança, a escuridão positiva de não saber o resultado final, a forma que as coisas poderiam tomar, a quebra da rotina. Por isso em Multi-Love ouvimos mais teclados que nunca, numa pop complexa, ritmada e solta que não poderia ter sido prevista. Menos forte e impactante, é certo, mas o terceiro longa-duração de Unknown Mortal Orchestra é igualmente rico em conteúdo e génio. A mudança é grande e difícil, mas à medida que o álbum e a história que conta são digeridos, apercebemo-nos que Ruban Nielson nos trouxe mais um portento. Um portento de quem deixa pra trás os erros e a irresponsabilidade da juventude e toma as rédeas, perdendo as ilusões de um mundo fácil e cor-de-rosa.
2.Kendrick Lamar – To Pimp A Butterfly
Kendrick Lamar veio esfregar mais sal numa ferida que os EUA andam a tentar sarar há quase 150 anos. À medida que vamos entrando neste disco, percebemos que não se trata apenas de segregação, das diferenças entre crescer num ghetto ou num bairro pacífico e lidar com as dificuldades que vêm disso. Este disco também tem a ver com o upgrade de estatuto depois de good kid, m.A.A.d city e há momentos de conflito pleno em acusações de uma terceira pessoa a Lamar. Este foco na dimensão pessoal vai-se definindo ao longo do trabalho com a recorrente saída “I remember you was conflicted…”, e dá-nos um insight sobre o trajecto de Kendrick Lamar, sobre a transição drástica entre as realidades pré e pós good kid. E há confrontos com o lado mais material da indústria, o dinheiro e as relações de interesse. To Pimp A Butterfly é um disco de celebração. A herança afro-americana e africana é exultada de várias formas. E o mote é dado logo aos primeiros segundos: “Every nigga is a star”, um reforço da confiança de uma minoria que vive nesta ambiguidade entre a ideia de cidadão de segunda e o orgulho na sua identidade. Talvez seja até a pedra basilar deste disco, lançada primeiro através de “i”, que reforça a ideia da aposta na criatividade, no respeito e na identidade de cada um, na transformação do produto final (a música) em meio de combate às línguas afiadas do preconceito e do estereótipo e com isto transformar mentalidades.
1.Sufjan Stevens – Carrie & Lowell
O conceito de Carrie & Lowell gira à volta de um doloroso sentimento de perda, uma vez que sua mãe, Carrie, faleceu em 2012. O outro nome, espelhado no título do álbum, é o do padrasto de Sufjan Stevens. Assim, e para além dessa consciência íntima de dor que vai transparecendo em muitas das canções do disco, está ainda presente a inesgotável temática da memória de um tempo longínquo, em que a família viajava até Oregon para passar férias, pelo que um esgar de saudade surge também a dar um ar da sua graça neste Carrie & Lowell. Parece-me, acima de tudo, um disco em que o artista faz contas com um passado movediço, ora mais distante, ora mais próximo, tecendo nele múltiplas narrativas de solidão, de desencontros, de ausências físicas e espaciais. Ou, em última análise, Carrie & Lowell pode também ser um disco que fecha as portas a um tempo morto, abrindo outras para aquilo que o destino lhe trouxer. Em quaisquer desses vários sentidos, o disco estende até ao ouvinte a sua inequívoca aura romântica, pontuada por sombras e neblinas densas, mas onde nunca falta uma luz (as letras, as melodias, os arranjos, a voz doce de Sufjan Stevens) para nos guiar até um qualquer lugar onde nos sintamos confortados.