Chegámos ao fim de 2015, e metade da década já lá vai. Terá o melhor já passado ou estará para vir, eis a pergunta que se impõe nesta altura. Deveremos estar saudosos do passado ou ansiosos por um promissor futuro? Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, direi. Já coisas boas tivémos, outras tantas virão a caminho. Em 2015, especificamente, muitas coisas boas foram adicionadas à obra humana nos vários campos da arte, mas também outras foram destruídas…
Avançando um pouco e deixando a filosofia barata para trás, ataquemos o campo que mais debatemos neste estaminé, informando que foi um ano rico em termos musicais. Sobretudo diverso – nos votos dos nossos 30 colaboradores, 132 discos foram dignos de serem colocados nos vários tops, o que por si só demonstra o largo espectro musical existente nos dias de hoje. Houve unanimidade apenas perante um álbum, o vencedor (que será revelado mais abaixo), e para os outros foi uma luta titânica por cada voto, sendo que cada migalha poderia fazer subir ou descer um lugar. No final fica uma imagem – diversidade. Há no top 10 rock, hip-hop, jazz, britpop, dream pop, pós-rock, discos onde reina tranquilidade, outros onde o caos é senhor, discos para ouvir debaixo de uma manta, outros para praticar air guitar num qualquer concerto ou festa. Tudo isto é o Altamont! E ainda bem.
Sem mais demoras, aqui ficam os nossos 25 melhores álbuns do ano:
25.Earl Sweatshirt – I Don’t Like Shit, I Don’t Go Outside
I Don’t Like Shit, I Don’t Go Outside é um manual de auto-conhecimento e de sobrevivência, lírica, métrica e melodicamente coerente. Se este é o primeiro disco que Sweatshirt presume poder assumir na totalidade quando olhar para trás, o futuro parece claro: continuar a limpar as impurezas e trazer o essencial à tona, cuspi-lo aos nossos ouvidos. Não façam dele um poser nem uma estrela: é, hoje, um adulto que usa os seus conflitos e o seu passado para nos atirar com aquilo que quer que saibamos: o que ele é no contexto em que vive, e que papel temos nós nisso (a dada altura canta “Disdain for the law since a fucking child”; e que responsabilidade temos também nós nisso?). Fá-lo já com uma sinceridade, com uma originalidade e com uma uma falta de vergonha que convence.
24.Ought – Sun Coming Down
Sun Coming Down é um disco que subverte totalmente a lógica do difícil segundo álbum de uma forma arrasadora. Como cresceram os Ought, como melhoraram, como integraram novos elementos no seu som, como conseguiram novamente arrebatar quem lhes está a dar atenção. O álbum escorre num instante e conseguimos ter vislumbres de tantas boas influências, para além de Talking Heads, como os Television, os enormes Television…
23.King Gizzard and the Lizard Wizard – Quarters!
Ao sexto longa-duração, os King Gizzard & the Lizard Wizard trazem-nos uma infusão inacreditável de géneros. Do psicadelismo ao jazz, do krautrock à soul, os rapazes australianos deixam a teína de aventuras anteriores e regressam apenas com a jovial alegria de viver e ser. Vivem dos pormenores repetidos, de pinceladas sonoras atiradas à tela, das paisagens subaquáticas de rios cuja serpente é desenhada pelos desvarios da voz de Stu Mackenzie e os trejeitos dos instrumentos dos seus companheiros. De tantas outras maravilhas, tanto terrenas como fantásticas, é composto o disco. Gigantes e anões, anantes gigões, gingões amantes e amões gingantes rodopiam e fervilham numa sinfonia quase perfeita que se revela um dos melhores discos do ano.
22.BadBadNotGood, Ghostface Killah – Sour Soul
Sour Soul é exactamente o que se esperava que fosse. Não vem daí prejuízo, não vem daí acusação à criatividade: pelo contrário, o álbum estabelece, consciente de si, a ideia platónica daquilo que seria uma colaboração nos meandros do hip-hop e do jazz. Sour Soul é o que se imagina que seria, e parte maior do mérito da colaboração é a concretização dessa ideia. A criatividade de Sour Soul é padronizar e consagrar Sour Soul. Depende de um preconceito a determinado grau, decerto; contudo, é um álbum necessário. Não é groundbreaking, não há génio; contudo, ajunta e fortifica uma ideia. É sólido. É discreto. É paciente, é suave, é indulgente.
21.Tame Impala – Currents
É um exercício inútil comparar Currents aos dois trabalhos anteriores dos Tame Impala. Enquanto que Innerspeaker e Lonerism são álbuns de rock psicadélico (sendo que Lonerism já piscava fortemente o olho à pop, quer nas influências do seu criador dizia terem sido preponderantes na criação do mesmo, quer em algumas canções, onde refrões chegavam a ser repetidos 9 vezes), Currents é um álbum de pop psicadélica com uma forte influência de música electrónica (essencialmente Daft Punk) e da pop 80s dançável, com algum r&b (“Cause I’m a Man” seria uma faixa de Thriller se Jackson tivesse tomado outro tipo de medicamentos) e ritmos rap à mistura (o trap subtil no início de “Love/Paranoia”, a batida de “Past Life”). É um álbum com intenções muito diferentes dos anteriores, mas com o mesmo propósito: pegar no que já feito e moldá-lo com o intuito de, não importa quantas vezes escutemos, nos oferecer sempre algo novo. Alguns vão ficar à porta desta festa. Aos outros, sejam bem-vindos à inauguração de uma nova etapa num dos projectos mais excitantes da música psicadélica.
20.Destroyer – Poison Season
Dan Bejar sempre apostou em rechear as suas melodias com muita substância através da utilização de vários instrumentos, o que permite encontrar, dentro de cada música, momentos díspares. No caso específico deste álbum, a aposta em utilizar orquestra nalgumas músicas, dando especial ênfase aos arranjos de cordas é uma variação que nos parece bem conseguida, sobretudo pela qualidade sonora da mesma. A nostalgia sempre foi uma das grandes forças a emergir da sonoridade dos Destroyer e aqui sente-se em vários aspectos, indo buscar muitos elementos a Roxy Music, Bowie, fazendo-nos sentir próximos dum final dos anos 70. Good old Dan não sabe fazer um mau disco e também ainda não foi desta, mas o peso de suceder a Kaputt é duro de aguentar e como tal é bastante prazeiroso ouvir este Poison Season se conseguirmos por momentos esquecer as expetativas criadas.
19.Kurt Vile – b’lieve I’m going down
Hoje é preciso entreter instantaneamente: fazer magia. Kurt Vile propõe-nos magia aqui, também: apenas de uma matéria mais sólida, que requer um esforço diferente. No meio de canções empoeiradas, talvez Vile seja provocador até pela maneira como encurrala o ouvinte: aguenta-te se puderes e quiseres, ouve isto com uma atenção diferente: só assim o captarás. Não esperes refrões pensados para ti, arrancados a clichés, mas uma beleza singular com este conjunto de canções – esparsa, cuidada e sobretudo adulta, do cantautor que menciona Clarence White e Gene Clark a um mundo distinto. Há uma certa melancolia e exalação no disco a pairar por todo o lado, que nestes temas se abandonam à sua sorte. Kurt Vile, na realidade, sempre foi assim: talvez a surpresa seja não ter abdicado. Continua a saber separar o trigo do joio, a fazer as coisas como acha que devem ser feitas. O resto é o mesmo de sempre: um escritor de canções e músico exímio, de sensibilidade pouco comum, difícil de ser rotulado, que sabe dosear seriedade e uma auto-confiança irónica com um humor auto-depreciativo quase absurdo, que só lhe serve a ele.