No virar do milénio, os Oasis mudam o logo da banda, perdem mais dois membros fundadores, Noel afasta-se das drogas e Liam escreve a sua primeira música. O disco, regado a psicadelismo, marca, de certa forma, o fim da Britpop e da relevância da banda no panorama musical.
Os Oasis sempre foram, acima de tudo, a banda de Noel e Liam Gallagher. Parece indesmentível esta afirmação tendo em conta toda a história do grupo, formado pelos irmãos oriundos de Manchester. A constante guerrilha entre ambos levou a que, após o lançamento do seu primeiro disco, o baterista original Tony McCaroll deixasse a banda e fosse substituído por Alan White. Após o caos que foram as gravações de Be Here Now, terceiro disco dos Oasis, mais dois membros fundadores e grandes amigos de Liam e Noel também abandonaram a banda.
Com a saída de Bonehead e Guigsy, o primeiro sob o pretexto de que não queria largar as drogas e a festa para gravar um novo disco, e o segundo alegando “razões familiares”, a banda, agora apenas constituída por três elementos, ficou, ainda mais, sob o comando de Noel que, de forma evidente, estava exausto da vida libertina que vivia, especialmente após o lançamento de Morning Glory. À altura eram conhecidas as constantes festas até de madrugada, alimentadas a álcool e cocaína. O ponto mais alto (ou baixo) foram as gravações de Be Here Now neste panorama de festa eterna. Noel não queria voltar a gravar outro disco nestas condições e pediu aos restantes elementos para se manterem sóbrios. Estranhamente Liam acedeu ao pedido, Bonehead não.
Devido a este modo de vida, Noel andava com ataques de pânico e insónias – “Gas Panic!”, sexta canção de Standing On The Shoulder Of Giants (SOTSOG) reflete essa atmosfera paranóica com as suas batidas de bateria, flirtando com a cena trip hop da altura e com a harmónica asfixiante. Este era, sem dúvida, um som diferente dos discos anteriores mas, era, sobretudo, uma viragem lírica, mais pessoal e introspectiva.
As mudanças em SOTSOG foram muitas e começaram com o produtor: Owen Morris deu o lugar a Mark “Spike” Tent, conhecido por trabalhar com os U2, Massive Attack, Depeche Mode mas também Madonna ou Spice Girls. Spike é conhecido por “obrigar” os seus músicos a procurarem outros sons e tirá-los da sua zona de conforto. Em SOTSOG é por demais evidente a introdução de teclados e sintetizadores, algo que não era habitual nos trabalhos anteriores da banda, mas também a constante utilização de loops de bateria e riffs de guitarra gravados de forma invertida, numa clara inspiração psicadélica influenciada pelos finais dos anos 60, como podemos ver tão bem, em partes, em “Go Let It Out” e, sobretudo, em “Who Feels Love?”, canção regada a ácidos e contemplativa pelo mundo exterior, algo que nunca passaria pela cabeça de um fã de Oasis ouvir, uns anos antes, em plena Britpop.
No entanto, bastava olhar para a capa do novo disco, saído no começo do milénio, para perceber que a banda tinha mudado o seu registo. Primeira impressão: uma fotografia do skyline de Nova Iorque com o Empire State Building como destaque. Completamente díspar das anteriores capas que retratavam a banda (Definately Maybe ou Be Here Now) ou a vida comum britânica (Morning Glory). Aqui tínhamos uma mudança de estética visual a que se aliou à mudança de lettering do logo da banda, já sobejamente conhecida pelo seu pequeno rectângulo a preto e branco, agora com um estilo retro futurista. Mas havia mais. O próprio nome do disco – Standing On The Shoulder Of Giants – mais pomposo e grandioso que os anteriores, provém da famosa frase de Isaac Newton: “If I have seen further it is by standing on the shoulders of Giants” que Noel viu numa moeda de duas libras enquanto estava embriagado num pub. Escreveu o fim da citação, adicionando “nome para futuro álbum”, acabando por cometer uma gralha em “Shoulder”. No entanto, o disco acabaria por se chamar assim mesmo.
SOTSOG abre as hostilidades com “Fuckin’ In The Bushes”, canção praticamente instrumental, puro sangue rock ‘n roll, inspirada por “Little Miss Lover”, de Jimi Hendrix e pincelada aqui e ali com excertos retirados do filme Message to Love, de Murray Lerner, sobre o Festival of Wight, de 1970. É uma pena que os Oasis nunca tenham tocado esta faixa ao vivo mas sim apenas como uma introdução de concertos.
A faixa seguinte, “Go Let It Out”, é, apesar de algumas mudanças sonoras já aqui referidas, uma canção típica dos Oasis. Com um sample “roubado” a Johnny Jenkins, como costumava ser apanágio da banda, “Go Let It Out” tem Liam, com a sua voz rouca e rasgada a cantar “Go Let It Out, Go Let It In, Go Let It Out” (alguém a lembrar-se de Hey Jude?). Nesta típica música para celebração em estádio, a banda apresentou, no teledisco oficial, a sua nova formação. Na guitarra ritmo aparecia Gem Archer, ex-membro dos Heavy Stereo e, na viola baixo, Andy Bell, herói indie e ex-guitarrista dos Ride. Nenhum deles teve participação na gravação deste disco, Noel fez praticamente tudo sozinho, no entanto, tiveram, gradualmente, uma participação grande na composição de novos temas, algo que Noel nunca havia deixado ninguém até este SOTSOG.
Após “Who Feels Love, já acima mencionada, surge-nos “Put Yer Money Where Yer Mouth Is”, música com espírito punk com sonoridades psicadélicas, mas algo insípida. No fim, há um fade out e cola-se a “Little James”, canção escrita por Liam, a sua primeira. Reza a história que Noel achou a canção patética (e, de certa forma, é) mas que se a rejeitasse sabia que isso insultaria Liam e que este nunca mais escreveria canção alguma. “Little James”, escrita para o seu enteado James Kerr, tem uma letra infantil e de pouco interesse, que o próprio Liam anuncia que a música é apenas para ele (James) e a sua mãe (Patsy Kensit) e apenas isso. Uma espécie de “Hey Jude” dos pobres. No entanto, Noel estava correcto, pois Liam ganhou confiança e acabou por escrever umas quantas boas músicas nos discos seguintes dos Oasis, tais como “Songbird” ou “Born On a Different Cloud”.
Mais para o fim do disco, Noel presenteia-nos com duas pérolas, “Where Did It All Go Wrong?” e “Sunday Morning Call”. Tivesse o mano do meio dos Gallagher continuado a escrever canções deste calibre nos seus discos a solo e talvez o desejo de uma reunião da banda de Manchester não fosse tão urgente. Ambas as canções apresentam a típica estrutura das canções Oasis cantadas por Noel, ao jeito da clássica “Don’t Look Back In Anger”. As suas letras (“Do you keep the receipt for the friends that you buy?”, em “Where Dit It All Go Wrong?) e a depressão de um domingo de manhã e todas as más opções tomadas no dia anterior em (Sunday Morning Call) mostram que Noel continuava em grande forma.
O disco, apenas composto por dez canções, termina com “I Can See A Liar”, música meio inconsequente e facilmente esquecível e “Roll It Over”, que, com os seus 6:31 minutos, dá um final semi-épico, semi-emocional enquanto vai caminhando, lentamente, para o seu fim.
Como não podia deixar de ser, os Oasis deixariam outras grandes canções para os seus lados B, algo que os Beatles sempre fizeram e a banda de Manchester sempre tentou replicar desde o início, com igual resultado. Exemplos disso são as desconhecidas “(As Long As They’ve Got) Cigarettes In Hell)”, “Let’s All Make Believe” ou “One Way Road”. Qualquer uma delas tão boa ou melhor que a maior parte das que acabou por ficar no disco.
Em 2000, os Oasis começavam a perder a sua força como uma das melhores bandas do planeta. O mundo do rock tinha mudado. A Britpop já soltara o seu último suspiro, e eram as bandas de nu-metal que estavam em voga. Os concertos da banda de Manchester, anteriormente sempre lotados, começavam a não vender totalmente e, pasme-se, eram assobiados ou apedrejados em alguns recintos (Festival Sudoeste desse mesmo ano, por exemplo). Standing On The Shoulder Of Giants marca essa transição da banda. O disco que não foi muito bem recebido pela crítica nem pelos fãs mais fiéis. Ambos queriam um regresso às origens, ao rock maior que a vida mas, no entanto, esse era um caminho que a banda já não conseguia trilhar. O próprio Noel admitiu, há uns anos, que estava arrependido de ter gravado este disco. Apesar disso, SOTSOG é um belo álbum, com grandes canções, outro tipo de sonoridades e uma aura diferente dos trabalhos anteriores.