Um dos momentos finais da história dos Nirvana não é feito com guitarras distorcidas, baterias a estilhaçar ou frenéticos stagedivings.
O furacão criado por Kurt Cobain e que revolucionou o rock alternativo para sempre, tem no Unplugged da MTV um porto de abrigo, um local seguro, uma estalagem com comida quente e lençóis limpos.
Este especial de televisão que deu origem a um álbum e a um filme concerto é ao mesmo tempo um dos momentos mais brilhantes dos Nirvana e um suspiro final, não um berro, por parte de Kurt Cobain.
Desde que os Nirvana se tornaram na maior banda do planeta, as estrelas maiores do movimento grunge que então varria o mainstream com os grupos de Seattle, que Kurt Cobain andava a ser sondado pela MTV para que tocasse no Unplugged.
Este especial do canal de televisão dedicado à divulgação musical existia desde finais dos anos 90 e surgiu numa época em que o formato acústico estava a reconquistar público. Este renovado interesse na folk e música acústica vinha de um novo fascínio sobre os anos 60 e com muitos artistas desse período a conseguirem novos êxitos comerciais, como por exemplo Bob Dylan, Paul simon ou Grateful Dead.
Depois de algumas experiências nos estúdios da MTV, incluindo sets acústicos dos Jethro Tull ou Bon Jovi, o canal de televisão acabou por criar um programa inteiramente dedicado a actuações acústicas. E o mote era simples. Desafiar bandas e artistas a tocar as suas canções em formato acústico.
O primeiro episódio do Unplugged da MTV foi para ar a 26 de Novembro de 1989, com as participações de Elliot Easton, Syd Straw e os Squeeze.
Muitas actuações se seguiram, à medida que o programa foi ganhando mais popularidade. Um dos concertos mais famosos desses primeiros anos do Unplugged é o de Eric Clapton.
O guitarrista e cantor criou novos arranjos para as suas canções e o resultado foi um dos especiais com mais audiência. O álbum que saiu a seguir vendeu mais de 10 milhões de cópias e valeu a Clapton seis Grammys.
Com a explosão do grunge para o mainstream, após a edição de Nevermind dos Nirvana, era apenas normal que as bandas mais populares de Seattle e não só, fossem também convidadas para o programa de televisão.
Aconteceu, por exemplo, com os Pearl Jam, em Março de 92.
Mas a banda que a equipa de produção do Unplugged realmente queria, era claro, os Nirvana. Não só porque eram os mais populares, mas porque o desafio em transformar as suas canções mais conhecidas em temas acústicas iriam arrastar muitos olhares curiosos, para além dos fãs.
Depois de negociações mais intensas, em especial após a edição de In Utero em Setembro de 93, Kurt Cobain lá aceitou fazer a actuação. Mas o Unplugged iria acontecer apenas segundo os termos da banda, que para este espectáculo, iriam fazer algo de muito diferente, para irritação dos produtores.
Desde muito cedo que os Nirvana rejeitaram a ideia de Greatest Hits em formato acústico. E por isso mesmo escolheram meticulosamente algumas canções menos populares, mas que pudessem ganhar uma dimensão diferente na transposição do eléctrico para o acústico.
Outra das exigências foi deixar Kurt Cobain tocar com um amplificador de guitarra eléctrica e até pedal de distorção, algo que ia contra as “regras” do Unplugged. A distorção é bem perceptível durante o solo de “The Man Who Sold The World”.
A produção da MTV também ficou descontente com a escolha dos convidados especiais. Os produtores estavam à espera que Kurt convidasse músicos e cantores conhecidos, ou mesmo amigos de bandas mais populares de grunge, como por exemplo Eddie Vedder. Mas esta aposta dos produtores caiu por terra, quando nos dois dias de ensaios que os Nirvana tiveram em Nova Iorque, surgem nos estúdios os Meat Puppets, os manos Cris e Curt Kirkwood.
O grupo não tinha grande projecção mediática e para além disso, Kurt Cobain queria tocar no Unplugged duas canções dos Meat Puppets.
Aliás, a escolha dos temas da actuação acústica foi outro assunto que deixou os produtores em estado de choque, já que a música mais famosa dos Nirvana, “Smells Like Teen Spirit”, nem sequer ia ser apresentada ao vivo. O single mais conhecido que integrava a setlist era “Come As You Are”. As canções restantes eram menos populares dos Nirvana, assim como uma série de versões, seis ao todo. Ou seja, quase metade do concerto iria contar com temas de outros autores.
Finalmente, a decoração do estúdio onde os Nirvana iam tocar. Kurt Cobain exigiu que o palco fosse decorado com motivos associados a um funeral. “Como um funeral?” perguntou a produção. “Exactamente!” respondeu Cobain.
Foram espalhados vários lírios pelo palco, assim como velas pretas e ainda um candelabro.
Algo de muito especial estava prestes a acontecer, algo que o Unplugged da MTV nunca experienciara.
A 18 de Novembro de 1993, os Nirvana tocaram perante um pequeno público, fãs sortudos que puderam ver uma das actuações mais intensas, honestas e despidas do grupo de Seattle.
Em palco, o baixista Krist Novoselic chegou a tocar acordeão, Dave Grohl abordou a bateria de uma forma calma e suave. A eles juntaram-se Pat Smear, guitarrista na digressão de In Utero e ainda a violoncelista Lori Goldston, que deu a algumas músicas um dramatismo nunca ouvido no universo Nirvana.
A encarar o público, na sua roupa do dia-a-dia e a fumar, estava Kurt Cobain. Pouco falador, introspectivo e intenso. De sorriso na cara quando recebeu os Meat Puppets ou quando lançava uma boca aos colegas de banda.
Kurt estava concentrado em dar o melhor concerto do programa, assim como anos antes, poucos, falava a sério quando perante os executivos da Geffen afirmou que queria ter a banda mais popular do mundo.
Ao contrário de muitos artistas e grupos que passaram pelo programa, os Nirvana gravaram o Unplugged em apenas um take. E após a canção tradicional da folk americana de Lead Belly “Where Did You Sleep Last Night” e que terminou o concerto, a produção ainda foi pedir um encore. Mas após 14 músicas e um final emotivo, Kurt Cobain disse simplesmente que não iria conseguir superar aquilo que acabara de tocar.
O espectáculo, com canções menos conhecidas dos Nirvana e com versões dos Vaselines, Meat Puppets, Lead Belly e David Bowie, foi transmitido a 14 de Dezembro de 1993.
A morte de Cobain em Abril de 1994 veio alterar por completo a experiência do Unplugged. De repente, todas aquelas velas e lírios brancos faziam demasiado sentido, como se Kurt Cobain estivesse a projectar naquele espectáculo íntimo, uma espécie de adeus. Diga-se o que se disser, foi de facto um adeus.
A Geffen acabou por lançar o Unplugged em disco em Novembro de 94, um ano depois da banda o gravar e após meses de repetição do programa, em modo repeat, por parte da MTV.
As vendas impressionantes logo na primeira semana e o primeiro lugar dos tops, eram a expressão maior da força do set acústico dos Nirvana. De repente, os fãs da banda tinham na sua colecção, ao lado de Bleach, Nevermind e In Utero, uma peça completamente diferente. O mesmo universo, a mesma angústia, a mesma rebeldia. Mas tudo estava mais contido, mais frágil e assustadoramente mais real. Ouvia-se na voz de Kurt, sentia-se em cada nota que o músico tocava e na delicadeza com que os restantes Nirvana preenchiam as canções.
Kurt Cobain, o ídolo da geração X, já não estava entre nós. Mas esta peça final do seu percurso, garantiu-lhe a imortalidade entre os jovens que inspirou e influenciou.
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