Segundo disco do ano para o velho mestre canadiano. À beira de completar 70 anos, 2014 trouxe muita actividade. Um disco «low-fi» com ajuda de Jack White, numa sentida homenagem ao passado; o divórcio de Peggy Young, sua esposa desde os anos 70; uma nova relação com a actriz Darryl Hannah; e agora mais um disco, que tenta colocar tudo sob perspectiva.
Young sempre foi um rebelde, alguém que fez as coisas à sua maneira, o que contribuiu para uma carreira discográfica algo fragmentária: este é o seu 35º disco, entre álbuns a solo, acústicos, eléctricos, com ou sem os Crazy Horse, com os Stray Gators ou outros conjuntos de ocasião. Depois do objecto curioso que foi A Letter Home, este último Storytone é mais uma vez um objecto diferente, embora mais perto do que se possa considerar o seu cânone normal.
Há vários Storytones, ou seja, várias versões do mesmo disco. Na versão normal do disco, o que temos são 10 temas de Young acompanhado de uma grande orquestra. Na versão deluxe, temos isso e um segundo disco, com os mesmos temas em versão acústica, de Young a solo ou acompanhado muito esparsamente. E a verdade é que isto mostra as forças e fraquezas do álbum.
É que o disco a solo – o disco de, digamos, extras, é claramente superior ao disco orquestral. O problema com a versão maxi de Storytone é que o tom de Young não é respeitado no meio de tanta coisa, tanta opulência, que está a acontecer lá atrás. Mas não é só um problema de conceito. A coisa poderia ter resultado se fosse mais contida, mais sóbria. Para esta tarefa, Young socorreu-se dos arranjistas Michael Berden e Chris Walden, figuras mais próximas do mundo da pop, tento trabalhado para artistas como Michael Jackson, Lady Gaga ou Michael Bublé. O resultado das orquestrações é gigantesco, omnipresente, até opressor. Pior, a coisa é feita sem alma, buscando um som demasiado bonito e luxuriante, quase como uma banda sonora de um filme de princesas da Disney. Dizíamos que a coisa podia ter funcionado, se a aposta fosse nalgumas cordas mais discretas, como nas antigas colaborações com o genial Jack Nietzsche. Assim, é demasiado, e por vezes soa a artificial.
Apostamos que não haveria grande mal nisso (continua a ser um bom disco) se não conhecêssemos o contraponto: os 10 temas só com Young. É que aqui é que está o verdadeiro ponto de interesse do disco.
É um dos discos mais íntimos e pessoais, em termos de letras, que Young fez nas últimas décadas. Ouça-se o magnífico «Glimmer», guitarra acústica, piano e harmónica, podendo escutar-se toda a solidão do mundo, atirando-nos para o universo do excelente On the Beach, dos anos 70. Temos várias baladas óptimas, uma ou outra canção de protesto ambientalista mas sem acelerar muito. Temos Young a nu, olhando para si próprio. E, para isso, Young nunca precisou de mais do que a sua voz quebrada, a sua guitarra acústica e a sua harmónica. Neste disco de duas cabeças, é quando ele faz «mais do mesmo» que se sai melhor, e volta a mostrar o quão essencial continua a ser, no século XXI.