Neil Young fecha o ano com um disco absolutamente político, com Trump na mira certeira da sua guitarra, conseguindo subir uns pontos face aos seus anteriores álbuns de originais.
Aos 72 anos e perto do 40º álbum (a conta não é assim tão fácil de fazer), Neil Young continua a não descansar e a brindar-nos com a sua receita de pelo menos um disco de originais por ano. A honra cabe agora a The Visitor, fechando com brilho um ano marcante para o músico canadiano (o lançamento, finalmente, do fantástico Hitchiker, gravado em 1976 mas só agora editado; e a abertura do seu fabuloso e interminável arquivo digital, projecto que prosseguia há vários anos).
Este é claramente um disco marcado pela sombra de Donald Trump. The Visitor é a peça final (?) de uma trilogia de álbuns políticos, começada em 2015 com The Monsanto Years (gravado, tal como o disco deste ano, com os Promise of the Real, a banda dos dois filhos de Willie Nelson), e prosseguida no ano passado com Peace Trail. Mas se, nos discos anteriores, Young expressava desilusão e alguma confusão, agora não há meias-palavras: Trump é o inimigo número um do sonho americano, que o músico continua a acarinhar como quase sempre fez.
As leis da imigração, a protecção ao grande capital, a negação da ciência, a destruição do meio ambiente, tudo são temas que alimentam em 2017 a chama de Neil Young. Um canadiano que teve sorte na América, como ele próprio diz na óptima abertura com “Already Great”, cujo título remete para o slogan de Trump, “Make America Great Again”.
“Stand Tall” é outro hino de resistência, apelando à união contra os crimes que estão a ser cometidos, enquanto em “Children of Destiny” a mensagem é igualmente clara: “stand up for what you believe/resist the ‘powers that be’/preserve the land and save the seas/for the children of destiny/the children of you and me“. A mesma mensagem de preocupação assumida surge no blues “Diggin’ a Hole”, com o músico a lamentar-se de estarmos todos a cavar a cova para os nossos netos. E, no arrastado e fumarento “When Bad got Good”, Young chega a pedir: “lock him up/he lies, you lie/no belief in the liar in chief“. Mais claro e directo que isto seria difícil.
Sendo um disco absolutamente político, não é necessariamente um disco duro nem se esgota nesta temática panfletária. A lindíssima “Forever” é um grande hino ambientalista, lembrando-nos que os animais e a natureza não se podem defender sozinhos, neste mundo que os consome porque eles “não têm nada de novo para vender”. Uma pérola de mais de dez minutos, a fechar o disco com um Young que nos lembra os tempos do velho sonho hippie. E não podemos deixar de mencionar outra balada muito bonita, “Almost Always”, ainda que a música pareça ter sido gamada de várias outras canções anteriores do próprio autor.
Mas há ainda espaço para o regresso (viva!) da inconfundível guitarra eléctrica de Young, em “Fly By Deal” e particularmente na afiada “Stand Tall”. E, a maior surpresa e o tema mais fora de todo o disco, há “Carnival”, que nos leva aos tempos dos antigos circos e feiras de província, um delírio musical muito interessante que foge ao registo habitual de Young, com uma voz alucinada e até congas, lembrando os tempos de Tom Waits aquando da época de Rain Dogs.
Musicalmente, é um disco mais ambicioso que os anteriores. Os Promise of the Real não são os Crazy Horse, não têm o músculo imparável destes, mas aqui surgem mais presentes, com as músicas mais trabalhadas a darem-lhe mais que fazer do que apenas o frágil acompanhamento mostrado antes.
Num cânone com quatro dezenas de discos, The Visitor não chegará ao top 5 (se calhar nem ao top 10) dos melhores discos de Neil Young. Mas é um passo acima dos anteriores, parece menos apressado, mais trabalhado e mais variado em termos sonoros. E, sobretudo, é um disco abertamente político de um septuagenário que se recusa a ficar em casa de chinelos, e continua a querer ser relevante. E consegue-o.
Mais uma vez, respeito. Muito respeito por este senhor.