Há um equilíbrio delicado em Sleep Well Beast, sem excessos, sem sobressaltos mas com momentos que ainda são capazes de surpreender.
Entre sons abafados e desconexos surge devagarinho um ligeiro martelar de piano, a convidar-nos a acordar e a ouvir. Lento, melancólico, e de repente uma voz grave que sussurra como se nos falasse ao ouvido, a prometer privacidade, a prometer que mais ninguém vai estar naquele sítio para onde nos está a convidar.
E é assim que a voz grave de Matt Berninger nos convida para entrar em Sleep Well Beast, o sétimo álbum dos National. Ao longo da faixa de abertura, “Nobody Else Will be There”, o tom de Berninger vai subindo, a antecipar as mudanças e modulações que vamos encontrar ao longo das 12 faixas que compõem o disco. E a faixa seguinte, “Day I Die”, prova precisamente isso, com guitarras e uma bateria que faz lembrar os discos iniciais da banda norte-americana.
Ao final de sete discos, Sleep Well Beast pode ter duas leituras: haverá quem o ache aborrecido, com os National a voltar aos ritmos dos primeiros discos, que os popularizaram. Sente-se muito de Boxer, um pouco de Alligator e para trás parece ter ficado o caminho disruptivo seguido em Trouble Will Find Me, o disco anterior.
Mas, talvez para muitos, este regresso é um conforto. É uma lembrança dos primeiros discos, ainda frenéticos e disconectos mas sempre melancólicos. É como voltar a casa, é conseguir adivinhar o que vem a seguir, acertar quase sempre mas não nos importando com isso. Porque, mesmo indo beber muito aos primeiros discos, aos National que oscilam entre a melancolia e o grito, nota-se em Sleep Well Beast uma evolução, uma maturidade e uma densidade que só vem com muitas passagens pelo estúdio, muitas canções, muitos quilómetros de estrada – e com a idade. Este disco, aliás, é uma entrada na meia idade e na crise de identidade que isso acarreta.
A prova de que o tempo passa está em Matt Berninger: a voz já não é o que era e é uma pena. No disco contorna bem, preferindo usar a voz profunda que também o caracteriza para sussurrar em vez de gritar – em concerto notam-se as notas a fugir, um certo desafinar de anos de garrafas que vai bebendo quando está em palco, frenético, como se estivesse possuído, fugindo para o meio do público enquanto grita.
Ainda assim, desenganem-se se pensam que este disco é todo melancolia e ritmos tranquilos. É facto que os National continuam a não ser verdadeiro rock and roll, e nem é isso que querem ser. Mas há mais ritmo, há mais caos estudado, há mais movimento, há mais energia. “Day I Die” e “The System Only Dreams in Total Darkness”, o single que já roda nas rádios há várias semanas, e sobretudo “Turtleneck” são bastante dançáveis e prometem ser memoráveis em concerto. Em “Turtleneck” é onde vão mais longe e não falta a mensagem política, com críticas a Trump, como o próprio Berninger já explicou.
“Walk it Back”, “Born to Beg” e “Guilty Party” trazem-nos mais maturidade na produção e nas letras, mais compreensão, uma dimensão diferente dos problemas. Os National já não falam de amores não correspondidos – falam de relações difíceis, dos problemas da vida quotidiana, de dificuldades, de expectativas. Muitas das letras são escritas a meias entre Berninger e a mulher, Carin Besser, o que nos dá a sensação de espreitarmos vagamente para a vida quotidiana do casal – “’I’ll Still Destroy You” é o melhor exemplo disso mesmo e “Carina te Liquor Store” é uma bonita homenagem.
A realidade é que falta a Sleep Well Beast uma faixa épica – que também não vimos no disco anterior. Falta-nos o “Mr. November” de Alligator, o “Vanderlyle Crybaby Geeks” de High Violet e, sobretudo, o “Fake Empire” de Boxer. “I’ll Still Destroy You”, no instrumental, tem potencial para ser apoteótico ao vivo, ao estilo de “About Today” de Cherry Tree. Há um equilíbrio delicado neste disco, sem excessos, sem sobressaltos mas com momentos que ainda são capazes de surpreender.