Foram dois discos os primeiros responsáveis pelo nascimento de um dos maiores mitos da história da música actual. Os LP de Chuck Berry e Muddy Waters que Mick Jagger segurava nas mãos quando se cruzou com o seu amigo de infância, Keith Richards, numa estação de comboios de Dartford, em Inglaterra. Um encontro que, mais tarde, e com uma forte presença de Brian Jones, até à sua morte, criaria o fenómeno The Rolling Stones.
Porque os Stones são o baluarte da máxima Sexo, Drogas e Rock n’ Roll. Porque todos conhecemos os mitos que supostamente os fazem manter a jovialidade aos 71 anos – caramba, nasceram durante a Segunda Guerra Mundial! As histórias de inalações de oxigénio nos bastidores, das alegadas transfusões de sangue de Richards – cujo look inspirou Depp na personagem Jack Sparrow em “Piratas das Caraíbas” e onde interpreta o pai da personagem. Richards tem uma colecção de mais de três mil guitarras. Caiu de cabeça de um coqueiro quando tentava apanhar cocos e teve de ser operado de urgência. Com Jagger, que conhece desde os quatro anos, escreveu mais de 200 canções.
Quando se cruzaram, Jagger e Richards já não se viam há dez anos. Corria 1960 e Jagger ia faltando às aulas de economia na universidade para ensaiar com a banda de garagem que tinha na altura. Os dois estavam longe de imaginar que fariam parte de uma das maiores (e mais antigas) bandas da história moderna. Que na década de 60 seriam um dos nomes da British Invasion – o sucesso de bandas britânicas nos Estados Unidos -, taco a taco com os Beatles mas com o carimbo de ‘bad boys’, influenciadores do blues-rock, do hard-rock e até mesmo do grunge.
Esse reencontro ocasional na estação de comboio mudaria para sempre a história do rock. Richards juntou-se a Jagger e Taylor, com quem Mick tocava na altura, seguiram-se Alan Etherington e Bob Beckwick, formaram os Blues Boys, a primeira banda da dupla e conheceram, dois anos depois, Brian Jones, o estratega do que seriam os Rolling Stones.
Quando conheceu Mick e Richards, Brian Jones faltava às aulas para praticar saxofone e clarinete. Aos 16 anos já tinha dois filhos e tinha passado pela Escandinávia, onde aprendeu a tocar guitarra. Cruzou-se com Jagger e Richards e começaram a improvisar juntos. Daí até se assumirem como banda foi um passo.
O nome da banda é da responsabilidade de Brian Jones e surgiu de uma das músicas de Muddy Waters: “Rollin’ Stone”. O LP por acaso estava no chão quando Jones falava ao telefone a tentar marcar um concerto e lhe perguntaram qual o nome da banda. Rollin’ Stone. Assim, sem o “g”. Foi isso o que lhe saiu. Adaptou-se e ficou.
O primeiro concerto foi logo em 1962, ainda sem a formação inicial – depois de meses de namoro conseguiram finalmente convencer Charlie Watts, que já tinha feito parte da banda inicial de Jagger e Richards, a juntar-se a eles na bateria, em 1963. Dick Taylor no baixo, Ian Stewart, no piano, completariam a formação.
Bastou um ano para serem uma das bandas sensação em Inglaterra. E para se iniciar a rivalidade com os Beatles, que se manteria durante anos, ao ponto das duas lançarem álbuns com intervalos temporais estrategicamente definidos. Depois de se terem estreado num programa de televisão com o primeiro single, “Come on”, uma ‘cover’ de Chuck Berry (who else?), o segundo single, “I wanna be your man”, chegou ao Top 15 no Reino Unido. A primeira digressão foi em 1964 e a partir daí foi sempre a subir. No ano seguinte Richards e Jagger começaram a escrever as suas próprias músicas. Foi também nesta altura que a dupla começou a ofuscar Brian Jones – o multi-instrumentista tinha sido inicialmente, o cérebro dos Stones. Era ele que escolhia as músicas que tocavam e conseguia os concertos mas, lentamente, foi-se apagando. Jones acabou por desenvolver um problema sério com drogas e comportamento psicótico e foi-lhe pedido para sair da banda em Junho de 1969, tendo sido substituído pelo guitarrista Mick Taylor. Foi encontrado um mês mais tarde afogado na sua piscina.
Nesta altura já os Stones eram a cara dos ‘bad boys’ da British Invasion, em contraposição aos Beatles. Dos principais álbuns e êxitos estrondosos fomos falando ao longo deste último mês no Altamont, dedicado aos Stones. Mas vale a pena recordar alguns essenciais: o sucesso de “(I Can’t Get No) Satisfaction”, editado em 1965, “Angie” ou “Star Star”, já nos anos 70 ou ainda “Start Me Up”, de 1981, só para citar alguns. Vamos por partes.
É na década de 70 que surge o logótipo da banda, a boca aberta com a língua de fora, na capa do álbum Sticky Fingers, com a capa idealizada por Andy Warhol – mas a famosa boca, que poderia ser de Mick Jagger, foi na verdade criada por John Pasche e não por Warhol. É também nesta altura – em 1972 – que os Stones editam o que Jagger considera o melhor álbum da banda. Exile on Main Street foi começado em França e concluído em Los Angeles, numa altura em que a banda estava fora de Inglaterra acusados de fuga aos impostos, que Richards se debatia com drogas, tendo fugido de França acusado de tráfico e entrando após o álbum concluído numa clínica de reabilitação na Suíça.
Logo a seguir gravam It’s Only Rock n’ Roll. Mick Taylor, que tinha substituído Brian Jones, decide sair para se dedicar a uma carreira a solo e é substituído por Ronnie Wood, que passa a ser membro efectivo dos Rolling Stones na digressão dos Estados Unidos de 1975.
O ritmo da banda era imparável. Em 1976 editam Black & Blue e em 1977 Love You Live. Um ano depois, nasce Some Girls, influenciado pelo ‘punk’ norte-americano. O álbum seguinte “só” surge em 1980: Emotional Rescue foi gravado praticamente ao mesmo tempo que Tattoo You, que seria editado em 1981. Foi nesta altura que os Stones começaram a habituar o público a concertos de três horas e a uma mega produção, com palcos móveis e jogos de luzes aparatosos.
É em 1983 que surgem os primeiros sinais de crise… a banda lança o álbum Undercover em plenos rumores de separação e, para adensar a especulação, não sai em digressão e os seus elementos ocupam-se com vários projectos a solo. As especulações sobre o fim dos Stones duram seis anos mas o grupo vai lançando álbuns durante a alegada crise.
É assim que entram na década de 90, debaixo de constantes rumores de separação. É com Flashpoint, de 1990, que os Stones voltam às digressões, depois de sete anos sem tocarem ao vivo. Em 1993 Bill Wyman, também deixa a banda, sendo substituído por Darryl Jones que não é, contudo, membro oficial.
Após três anos longe do estúdio gravam Voodoo Lounge, editado em 1994, arrancando de seguida para uma digressão – com o balanço relançam todas as gravações em CD. Stripped foi lançado em 1995 e em 1997 sai Bridges of Babylon.
A década de 00 arranca com o álbum duplo Forty Licks, editado em 2002, que traz uma série de sucessos e novas músicas. Depois de uma das maiores digressões do grupo, a Licks Tour, encerrada em 2003, volta-se a temer o fim da banda, depois de ter sido diagnosticado um cancro na garganta a Charlie Watts em Junho de 2004. O baterista, contudo, recuperou em 2005 e, logo a seguir, a banda produz um dos melhores álbuns de estúdio da sua história: A Bigger Bang. Seguiu-se a mais longa digressão mundial da banda – e que passou por Portugal, em 2007 – chegando a mais de seis milhões de espectadores e rendendo cerca de 560 milhões de dólares.
Em 2012 o grupo celebrou o 50º aniversário e lançaram, como parte das comemorações, o livro “The Rolling Stones: 50”. Regressaram este ano a Portugal para um concerto no Rock in Rio, no que poderá ser a última visita da banda a Portugal. Um concerto mítico, e o Altamont esteve lá.
Quem passa pela estação de Dartfort não faz ideia que foi ali que um dos colossos do rock deu os primeiros passos. Os 15 minutos de percurso no comboio que obrigou ao reencontro dos adolescentes Keith e Mick, de LP nas mãos e a cabeça cheia de sonhos, marcou os 50 anos seguintes no que à música diz respeito.
Nota final:
O Altamont recebeu o seu nome, em parte, por causa dos Stones. Em 1969 os Stones tocaram no Altamont Free Festival, nos Estados Unidos, um concerto gratuito a fazer lembrar Woodstock mas onde uma escalada de violência acabou por manchar de forma definitiva não só o festival mas também os próprios Stones. Meredith Hunter, um jovem afro-americano de 18 anos, tentou subir ao palco durante o concerto de Stones mas foi afastado pelo grupo motoqueiro Hells Angels, contratados para fazer a segurança do festival. Hunter não desistiu e voltou ao palco, sacou de um revólver e acabou por ser esfaqueado por um dos elementos dos Hells Angels. A tragédia foi filmada e acabou por ser um dos elementos centrais do documentário dos Stones “Gimme Shelter”. Quatro pessoas morreram durante o Altamont Free Festival. E quatro bébés nasceram.