
Moreno Veloso voltou a Lisboa, depois de ter por lá passado para a apresentação de Coisa Boa. E se, em 2015 foi boa a coisa, com Nada é de Ninguém foi ainda melhor! A razão? É que o espetáculo foi pensado especialmente para o público português e veio repleto de boas surpresas.
Moreno Veloso vem sendo presença assídua em terras lusas desde o tempo do saudoso projeto +2. Andou por cá na companhia de Domenico Lancelotti e Alexandre Kassin, mas ultimamente tem-se apresentado em nome próprio, tanto por Lisboa como pelo Porto, chegando até a rumar a Ponta Delgada, em meados no ano transato. Os portugueses mais chegados às causas da MPB já o vão conhecendo, com toda a certeza. O clã Veloso não se acomoda, e vai dando mostras consecutivas de ser uma inesgotável fonte de energia e talento. Por isso não foi de estranhar que a sala Luís Miguel Cintra do Teatro São Luiz estivesse tão bem composta de gente. Desta vez, e a acompanhá-lo, os músicos Pedro Sá (guitarrista incontornável da atual música do país irmão e amigo de infância de Moreno), Bruno di Lullo (baixo) e Rafael Rocha (bateria e pandeiro). Luana Carvalho, filha da histórica Beth Carvalho, também subiu ao palco na noite de ontem, ela que lançou há pouco o seu primeiro longa duração intitulado Branco / Sul. Curiosamente, Caetano Veloso, o pai de Moreno, deu-nos a conhecer Teresa Cristina em setembro passado, enquanto o filho nos trouxe agora a belíssima Luana, cujo recente álbum produziu.
Mantenho a ideia que já tinha de Moreno Veloso. Comporta-se como um verdadeiro antivedeta, apresentando-se em palco com uma total simplicidade, despojado de quaisquer tiques de artista, como se o palco fosse apenas a extensão do chão que pisa, espaço de convívio entre amigos e lugar privilegiado para estar perante amigos. É assim o seu jeito de estar, de cantar e de tocar, e isso faz dele um tipo singular, um tipo talentosíssimo, mas que não está nem aí para assomos de altivez ou sobranceria artísticas. É, em bom português, um tipo porreiro!
O concerto começou com “Corpo Excitado”, “É de Hoje” e a maravilhosa “Um Passo à Frente”, todas de seguida. Foram vinte e duas canções, ao todo, contando já com o duplo encore. Assim, refreando o desejo de me referir a todas, salientarei apenas aquelas que foram marcando de forma mais evidente a noite do São Luiz. Para além das três já referidas, os momentos maiores surgiram com “Jacaré Coruja” (uma delícia lírica, de tão ternurenta), “Cantale” e “Swing da Cor” (cantadas de forma interligadas), “Coisa Boa”, com o habitual convite para “dormirmos à vontade”, uma vez que se trata de uma canção de ninar, “Deusa do Amor” (aqui já com a lindíssima Luana Carvalho em palco), “Arrivederci”, e as duas grandes surpresas da noite, já nos encores, que foram “Não Identificado” e “O Leãozinho”, ambas do pai Veloso, que por via dessas canções esteve também, de alguma forma, presente no show. Um show de amigos, como disse há pouco, mas também um show de família. Bruno de Lullo e Rafael Rocha, ambos integrantes da banda Tono, tiveram os seus momentos em palco, sobretudo quando se fizeram ouvir “I’m Wishing” (quem não se lembra da Branca de Neve e dos Sete Anões?) com a voz de Bruno soando através de um walkie-talkie, e “Leve”, composição da banda a que ambos pertencem, e que terminou com um convicto Fora Temer! Já sobre Pedro Sá, o mínimo que podemos dizer, é que é um músico com um brilho muito próprio. Se estivermos atentos aos desenhos melódicos que saem da sua guitarra, perceberemos tratar-se de um guitarrista de exceção. Cantou “ET”, delirante tema dos igualmente delirantes, mas já extintos há muito, Mulheres Que Dizem Sim. Uma palavra final para a grande convidada da noite, que cantou e encantou dançando samba com Moreno, já no final do show. Luana Carvalho, que já foi artista de novelas da Globo, tem uma voz bonita, segura, e fica a curiosidade, pela amostra dos temas de sua autoria que trouxe ao palco, em relação ao seu primeiro disco, o já mencionado Branco / Sul. As surpresas que Moreno preparou especialmente para o público português surgiram através de duas canções, sobretudo. O poema “Mar Português”, de Pessoa, musicado e cantado pela banda (que não ficou especialmente na memória) e “Noite de Santo António”, de Amália Rodrigues.
Foi bonita, a noite de ontem. Moreno Veloso voltará a Lisboa mais vezes, disso não tenho a menor dúvida. Eu, se isso me for possível, lá estarei para o ouvir de novo. Basta-me o balanço das suas canções para me fazer sorrir de satisfação. Basta-me ouvir a sua voz (que às vezes parece apenas um fiozinho de voz) cantando os seus temas e alguns temas alheios que gosta de cantar. Basta-me isso, confesso. Até porque, como ele próprio diz e canta, nada é de ninguém, e por isso Moreno Veloso é já tão nosso, se é que me faço entender…
- fotos de e gentilmente cedidas por Catarina Henriques