This Land Is Inhospitable and So Are We é um projeto, refinado tanto na lírica como na música, que vem mostrar ao mundo uma Mitski sem papas na língua.
Sempre que me deparava com Mitski, durante o meu tenebroso passado snob, acabava por ignorá-la em gratuita altivez, olhando os seus mundialmente aclamados álbuns de queixo virado para cima. Como muitos de nós, teimosos, fazemos para evitar mudanças de opinião consideradas “desnecessárias”, declarava, sempre muito categórico, que simplesmente não gostava dela, antes de sequer ter dado uma dentadinha no seu catálogo.
Vergonhoso, eu sei. Via o sucesso com muito maus olhos, pois não confiava – nem confio – no gosto musical da minha geração, onde no atual universo pop reina o single, e os instrumentos, ditos, musicais foram todos quase totalmente abolidos. Em resultado de 3 meses de um intensivo programa de imersão pop, que oscilou entre Simple Minds e Lana Del Rey, pus de lado as perguntas que instintivamente me surgiam frente às gigantes personalidades “menos eruditas” de hoje. “Será que isto é pop? Será que isto é alternativo?”. Este ano, decidi fazer uma pergunta diferente: “Será que isso interessa?”.
This Land Is Inhospitable and So Are We é um projeto, refinado tanto na lírica como na música, que vem mostrar ao mundo uma Mitski sem papas na língua. As letras que este compreende são de uma transbordante honestidade frontal, sem rodeios, acompanhadas de uma delicadeza musical um tanto cómica, por vezes. “The Deal” deve ser o tema que melhor exemplifica este contraste: enquanto a letra traduz a libertação de um desejo profundo (“Will somebody take this soul?”), preso na goela por demasiado tempo, em modo de desabafo de psiquiatra, o instrumental vai tomando proporções cada vez mais celestiais e eufóricas.
A qualidade do álbum nota-se sobretudo no equilíbrio variedade/coesão. Por um lado, existe uma louvável diversidade. Contando tanto com irrepreensíveis baladas, “Heaven”, “My Love Mine All Mine”, “Frost”, como com música mais espalhafatosa, “Buffalo Replaced”, “When Memories Snow”, por exemplo. Mas, por outro, os temas permanecem interligados entre si, paradoxalmente, através de uma benigna monotonia instrumental, como se fossem segmentos de uma mesma estrada. A palete instrumental é quase sempre a mesma, a diferença evidencia-se no modo como é utilizada. Logo no primeiro tema, Mitski coloca-nos num certo ambiente, numa sala, imaginemos. Estaremos sentados nessa mesma sala ao longo de toda a audição, a mobília é que vai sendo reposicionada, as paredes pintadas, o chão envernizado, dando origem a outras salas. Mas, a sala base é a mesma, e sentiremos a sua presença reconfortante em qualquer um dos temas.
Trataremos, finalmente, do elefante na sala sem grandes rodeios, à moda da nossa amiga Mistki. É um álbum pop, sim. Contudo, é um pop de uma sofisticação impressionante, muito bem trabalhado, que não renuncia da sua facilidade de audição. É um estilo que une pessoas de vários recantos da música e, na minha opinião, não existe maior elogio. Amantes de country, folk, avant-grade e clássica devem ter “This land…” no seu bolso a qualquer momento. Mitski deu à luz um álbum do povo que também agrada à burguesia. Aqui reside a verdadeira definição de acessibilidade.