Um tom místico e de mistério perpassa todo o novo álbum de Shahryar Mazgani, intitulado Cidade de Cinema, e agora na íntegra em português, enquanto nos anteriores as canções bluesy chegavam no idioma inglês. Neste caso, a sonoridade não deixa também de remeter para Oriente e para a música tradicional de Portugal.
Quatro anos depois, o guitarrista e cantor (aqui também produtor com Mário Barreiros e Pedro Vidal) nascido no Irão em 1975, mas que veio para Portugal com a família para escapar à perseguição movida, por motivos religiosos, pela Revolução iraniana de 1979, volta aos trabalhos de estúdio e apresenta-nos um belo disco: fresco, seguro, sem oscilações e a deixar água na boca para o que aí vem nas apresentações ao vivo.
“A Avenida” abre o álbum, por entre sussurros, ambiente intimista, guitarras “cheias” e uma bateria que mal se mostra. “A Chama” foi o primeiro tema a merecer divulgação, em junho, mostrando uma segunda canção em que a voz enleante de Mazgani percorre uma letra que junta elementos de misticismo a ritmos ora orientais, ora do cancioneiro tradicional português. Dela diz o próprio que “parece contar a história de uma travessia do deserto ou a dança de um dervixe que se rende ao amor. Talvez seja sobre uma jornada de silêncio, à procura de uma palavra nova”.
Segue-se a música que dá nome ao disco, “Cidade de Cinema”, outro momento para o registo vocal do intérprete se aproximar do falsete sem nunca titubear. “Romanceiro” é arrepiante de suavidade; “Mãos de Ouro” uma luz bruxuleante que não se extingue no ritmo dançável; “Sonhos Marinhos” devolve-nos ao domínio do encantatório; “Frente Leste” viaja pela atualidade da guerra com projeção para o pós-conflito; “A Bondade” é um projeto galopante que lembra o território sonoro de bandas como os Sétima Legião, por exemplo; “Pistoleiro Cego” leva-nos a vaguear por uma espécie de nevoeiro poeirento e “A Última Coisa” completa o leque de 10 temas com elegantes notas a recordar, ao de leve, o tema principal da série “Twin Peaks”, de David Lynch. Ao lado de Mazgani estão os já citados Mário Barreiros (bateria e, por vezes, guitarra) e Pedro Vidal (guitarra, baixo e até teclados), mas também o teclista Leonardo Pinto.
Vale a pena recordar que o percurso de Mazgani, sempre a revelar vincada influência dos blues e com a marcante presença das guitarras, tem sido pontuado por elogios além-fronteiras: “Song of the New Heart”, primeiro álbum lançado em 2007, despertou logo as atenções da revista francesa “Les Inrockuptibles”, na qual o artista foi eleito para o top 20 das melhores novidades europeias. No ano seguinte, a International Songwriting Competition atribuiu o terceiro lugar a “Somewhere Beneath The Sky”. Relembre-se um aspeto importante: havia 16 mil envolvidos nesta prova à escala mundial.
Song of Distance, outro álbum de estúdio, é de 2010, um ano após a saída de Tell the People (EP). Um Globo de Ouro distinguiu o seu trabalho na direção musical da peça de Bertolt Brecht intitulada “O Sr. Puntila e o seu Criado Matti”, também em 2010. De 2013 é Common Ground, trabalhado nos estúdios em Bristol e tendo associados à produção nomes ilustres como John Parish (cujo trabalho com PJ Harvey e os Eels, por exemplo, é bem conhecido), mas também Mick Harvey, apoio próximo de Nick Cave & the Bad Seeds. The Poet’s Death (2017) e The Gambler Song (2020) eram os mais recentes exemplos do trabalho discográfico de Mazgani.
As provas com público aí estão: Hoje, no lisboeta Teatro Maria Matos; a 24, na portuense Casa da Música. Há importantes sinais exteriores de riqueza musical neste pequeno grande disco de originais. Falta só confirmar se as assistências continuam a apreciar o bom gosto, a versatilidade e a capacidade artística de Mazgani.