A enchente chegou à aldeia de Cem Soldos na sexta-feira, segundo dia de festival. Na noite passada, em Cem Soldos, ouviu-se Zeca Afonso, jazz, disco, techno e até um pedido de casamento.
Meta foi a primeira paragem no percurso de muitos. No palco MPAGDP, instalado na igreja, a cantautora de Bragança conversou com o público enquanto lhes cantava canções suas, de microfone na mão e loopstation a tocar. Lá fora, no palco Amália, já Norberto Lobo se preparava para afinar a guitarra. Pouco tempo depois, a massa festivaleira afluiu ao adro da igreja para ouvir os sons calmos e serenos de Estrela, disco editado em Abril passado pela three:four records.
O Sol já se escondia atrás do sino no palco anteriormente conhecido por Tarde ao Sol e as últimas notas do trompete de Yaw Tembe, do contrabaixo de Ricardo Jacinto e da bateria de Marco Franco deram o mote para o início de Tomara, no palco Giacometti. Aí, o Sol ainda raiava pleno, com as canções cantadas num inglês lento e carinhoso. Filipe Monteiro, que já tinha passado pelo festival com a cantautora Márcia – sua mulher, que a ele se juntou para um dos temas -, apresentou o seu trabalho a solo ao público que esperava, sentado, que o calor se escondesse.
De regresso à porta da igreja, o povo juntava-se de novo, desta vez para escutar João Afonso. Acompanhado por quatro músicos, o sobrinho de José Afonso prestou homenagem ao tio com o tema “Era Um Redondo Vocábulo” e um excerto de “Coro da Primavera”. Dos seus originais, ressoaram especialmente nos nossos ouvidos os temas de Missangas, disco de 1997, como “Na Machamba” ou “Carteiro Em Bicicleta”. Com direito a encore muito pedido pelo público, Afonso estendeu com eficácia o manto da noite bonita que se avizinhava.
Já o calor ido, a aldeia transbordava de gente pelas ruelas e recantos, pelas tascas e tasquinhas, gente que recarregava as baterias para dançar noite fora. Coube a Mazgani inaugurar o palco Lopes-Graça, num concerto sobretudo estridente. Custaram aos tímpanos os gritos do cantor luso-iraniano, demasiadamente amplificados pelo PA, que focou o seu espectáculo sobretudo em The Poet’s Death, disco do ano passado, sem descurar canções mais antigas como “Loving Guide”, do EP Tell The People (2009).
Romaria ao palco Zeca Afonso para o psicadelismo revivalista de 10 000 Russos. A batida motorik, familiar para os adeptos do krautrock de bandas como os Neu! ou Can, dirigiu a guitarra e o baixo em “lisergia” q.b., com as frases do baterista e vocalista João Pimenta repetidas em delay pelos compassos das músicas fora.
Com Sara Tavares e os seus ritmos cabo-verdianos, a noite aquecia. A aldeia vibrou com “Bom Feeling” e “Balancê” e o hit recente “Coisas Bunitas”, do disco Fitxadu (2017), encorajou um momento insólito: um pedido de casamento em palco. Cantando e sorrindo, a cantora lisboeta fechou com boa disposição o palco Lopes-Graça.
Também o palco Zeca Afonso terminava em festa com os Mirror People e a sua electrónica tocada ao vivo. As sequências dos sintetizadores de Rui Maia (X-Wife) deram disco sound e techno cantado para a plateia que sacudia o frio com as ancas.
Por fim, coube a António Bastos a inauguração do palco Aguardela na segunda noite de Bons Sons, com um concerto energético que fundiu géneros e reinterpretou clássicos como o genérico da série Twin Peaks, abrindo alas para o DJ set de Forol, que estendeu a festa noite dentro.
Fotografia: Carolina dos Santos