Matt Kivel é um caso singular na música: o músico americano lançou neste Verão o seu segundo disco através da Woodsist (editora fundada por Jeremy Earl, dos Woods), e tanto este como o seu primeiro trabalho foram elogiados pela crítica (incluindo a influente Pitchfork). Somando isto, poder-se-ia esperar de Kivel uma notoriedade que o músico, por razões pouco compreensíveis, não tem. Só o «apanhei» este ano, precisamente com este Days of Being Wild. Contudo foi quanto bastou para me convencer.
O disco, lançado em Julho, entranha-se – não se estranha, embora, para quem não goste dos universos intimistas, possa ser um desafio. Puritanismos de lado, porém, este Days of Being Wild vai crescendo com as audições. Tal deve-se sobretudo ao facto de uma audição menos cuidada trazer a possibilidade de entender o disco como veranil e leve, quando, embora o seja em certos momentos, é muito mais do que isso: a leveza é apenas aparente, e até a letargia de Verão carrega, aqui e ali, sombras nostálgicas.
É um disco, sobretudo, muito bonito. O adjectivo pode ser questionável, mas adequa-se: Matt Kivel cria um universo intimista realmente bonito ao usar arranjos, quer acústicos, quer, em dados momentos, eléctricos. Há canções apenas de voz e guitarra acústica a acompanhar, há canções onde até a guitarra acústica mal se ouve e há outras onde há bateria e intensidade eléctrica. Matt Kivel é um músico talentoso e consegue mostrar, neste Days of Being Wild, que sabe utilizar a contenção em seu favor.
Todo o disco é bastante constante, e é muito difícil encontrar canções sem valor – enfim, retira-se da equação a despedida de «Waving Goodbye». É muito homogéneo, não perdendo o espaço para as tais derivações (acústicas e eléctricas) que já referi.
«The First Time», a canção inaugural, traz-nos o tal engano: é uma canção lenta e letárgica. Embala-nos e faz-nos espreguiçar, com a voz algo angelical de Matt Kivel e a sua guitarra acústica. «Underwater», a segunda, traz-nos um pouco mais de intensidade e aumenta o ritmo, surgindo também a bateria a acompanhar, no entanto deixando sempre espaço para que se oiça a limpidez da guitarra de Kivel. «A Couple Hours», terceira canção, é a primeira em que temos a certeza de que este universo musical de Kivel mistura beleza com tristeza e densidade. O mesmo se verifica em «Insignificance», uma das melhores canções de todo o disco: o ritmo até parece algo alegre, mas a voz de Kivel torna-o algo nostálgico. Há um espaço instrumental suficientemente longo para que a canção não se torne monótona (essa é uma das qualidades das suas composições).
Em «Little Girls», Kivel volta a abrandar o ritmo, e é de facto um prazer ouvir canções destas, que soam profundas e melancólicas sem que sejam chatas, monótonas e facilitistas (aquilo que Marissa Nadler, por exemplo, descreve como «confessional singer-songwriter, like coffee shop bullshit»). No culminar da canção, Kivel canta «Honey I ain’t got forever / You take me now or never / Just step into the night», para concluir com «There I’ll be gone». A canção seguinte é «Open Road», talvez a que mais se destaca esteticamente das outras: começa com um peso eléctrico a pairar sobre a voz de Kivel. Na realidade, acaba por ser mais um contraste bem feito entre a beleza e a soturnidade; mas aqui é uma soturnidade mais ruidosa, que só a custo abranda.
Em «Blonde Boy» regressa a acalmia e o intimismo, com a voz de Kivel novamente muito nítida, a pairar bem acima dos instrumentos. É uma canção de beleza intemporal e sobretudo madura: Kivel canta «I don’t wanna die / But I will» com uma aceitação plena e (lá está) madura. É pacífica, e a dado momento ouvem-se assobios de quem deixou os fantasmas para trás. A morte pode ser uma obsessão em Kivel, mas nesta canção há uma aceitação de tudo: Kivel canta que não quer morrer, diz que vai acabar por morrer e mostra-se em paz com tudo isso (e portanto com a vida), numa canção propositadamente descarnada e minimalista.
Em «Days of Being Wild», canção homónima, volta-se a olhar para o passado: a música é cantada de forma nostálgica e saudosa, como se os dias que a canção refere tivessem passado e Kivel os cantasse para os saber aceitar, com a saudade resignada de um tempo que já não regressa.
Days of Being Wild é a maturidade de Kivel. É um dos bons discos deste ano e é bom do início ao fim. Kivel vai buscar as tradições country e folk americanas e anda de guitarra em punho a cantar sobre a (sua) vida. Tal como Marissa Nadler (não foi citada por acaso), também Kivel enuncia os seus fantasmas de forma íntima, real e, ao mesmo tempo, muito menos básica do que as baladas doridas que ouvimos noutros lados. E fá-lo ao nos trazer a nostalgia de uma forma bela, descarada e pacífica. Um tratado.